quinta-feira, 12 de novembro de 2009
Treinar e treinar: esta é a regra do jogo
Todo atleta sabe que a preparação física não é uma das etapas mais agradáveis no processo de treinamento. Ao contrário. Trata-se da parte mais cansativa porque exige muita dedicação, empenho e perseverança do jogador. Arremessar uma bola e fazer cesta ou chutá-la e marcar gol são sensações extraordinárias porque a motivação está no resultado final. Mas correr seis km para que o exercício possibilite uma melhor condição de jogo, por exemplo, não traz euforia imediata, embora seja fundamental para atingir a principal meta: a vitória.
Através da difícil tarefa de desenvolver as capacidades que permitam ao jogador desempenhar suas funções técnicas com habilidade e precisão, Waldir José Barbanti, vice-diretor da Escola de Educação Física e Esportes da USP e ex-preparador físico da Seleção Brasileira Masculina de Basquete, auxilia o atleta a estar em forma, de acordo com a exigência específica do esporte. "A preparação física está ganhando importância devido à alta exigência de rendimento dos atletas", ressalta. "É uma área do futuro cada vez mais valorizada pelo esporte porque envolve, atualmente, um trabalho árduo, programado, sistematizado, sério e de alto nível."
Apesar da fraca campanha dos jogadores de basquete no mundial da Grécia, Barbanti ostenta, orgulhoso, vários títulos importantes como preparador físico da seleção, entre eles o dos Jogos Panamericanos dos Estados Unidos, em 87, ano em que iniciou suas atividades com a seleção. "Foi uma emoção muito grande ter ganhado a final contra o time da casa", relembra. Entre 92 e 96 esteve afastado, retornando à função no ano passado. Parte da preparação realizada pelos jogadores foi feita na própria Universidade. "Considero extremamente interessante trazer um grupo de elite aqui na USP por ser uma boa oportunidade dos alunos apreciarem seu treinamento e aprenderem sobre conceitos que foram dados em sala de aula; essa vivência é muito importante", observa Barbanti, que também é professor da disciplina Teoria do Treinamento. "Além disso, acho muito proveitoso poder apresentar o conhecimento científico na prática."
Nesse sentido, Barbanti aponta que há um valioso aprendizado quando se pode trazer para a Universidade o esporte praticado fora do meio acadêmico. "Tenho a possibilidade de aplicar o saber acadêmico em um grupo formado pelos melhores, o que significa uma prestação de serviço para o País, porque se trata da seleção nacional", avalia. "É uma relação onde ganha o professor, o atleta que recebe um treinamento inovador e os alunos que podem acompanhar todo o processo."
Entre testes e exercícios
A preparação física sempre leva em consideração a especificidade do esporte. No caso do basquete, dez pessoas jogam em uma quadra de 28 metros de comprimento, ou seja, é uma modalidade em que a velocidade é o fator preponderante porque tudo se processa rápido demais. Se o atleta precisa ser veloz para ser bom jogador, o preparador físico deve desenvolver sua velocidade. Mas para jogar com eficiência, saltar, correr e pegar a bola, terá também que aprimorar sua força. "Quando o trabalho é feito dentro de uma estrutura de universidade, temos a possibilidade de fazer uma atividade muito mais precisa e eficiente", afirma Barbanti. "Tudo isso dificilmente pode ser realizado por alguém que não tem acesso ao avanço científico e aos recursos tecnológicos proporcionados pela Universidade."
Ao todo, foram 24 dias de treinamento, dois reservados para a aplicação de testes. "Os testes são muito importantes para acompanhar a evolução de cada atleta, o nível em que se encontra", argumenta. "Como acompanhei esses jogadores durante anos, conheço seus pontos fortes e fracos, por isso sei o que cada um precisa", pondera. "É muito enriquecedor poder trabalhar com esse grupo porque amadurecemos no conceito à medida que conhecemos o jogador e a própria cultura esportiva."
Como no vestibular, quanto mais testes, melhor a visão que o preparador vai obter da equipe. No tempo em que esteve com os atletas, Barbanti realizou quatro deles — em média, o jogador passa por oito. Um dos mais importantes é o de impulsão vertical, usado para medir a capacidade que o jogador tem de saltar em direção ao aro, situado a mais de três metros do chão. Há também recursos para avaliar o nível de força de cada atleta e o teste de salto horizontal, fundamental na situação de jogo porque possui relação com a capacidade de correr rápido. Todas essas informações são possíveis com a ajuda da tecnologia. Um aparelho italiano composto por um minicomputador, por exemplo, tem um programa para medir a altura do salto do jogador. "Os dados fornecidos por esse instrumento são precisos e isentos de erro", afirma Barbanti. "A partir deles, posso saber que a força de um determinado atleta é boa, mas seu aproveitamento é pequeno, o que permite a escolha de exercícios para melhorar a capacidade."
Para o especialista, existem muitas limitações para exercer com eficiência trabalho de preparador físico no País. "Fora da Universidade, além da nossa cultura esportiva não possuir os equipamentos necessários para realizar uma boa preparação, não existe também o conhecimento do conceito para estabelecer um plano de treinamento bem estruturado, o que pode ser considerado um dos problemas típico de país de Terceiro Mundo", ressalta.
De olho na Copa de 98
Na fase em que os jogadores estavam a um mês do início do campeonato, treinavam das 9h30 às 12h e das 17h às 19h, sob os olhos atentos dos alunos e do próprio Barbanti. "A maioria dos esportes, hoje, exige treino de três a cinco horas diárias", explica. Segundo o preparador, a formação de um atleta de alto nível, ou seja, aquele que vai atingir o status de um jogador internacional, leva de 8 a 12 anos. No entanto, esse tempo nem sempre é respeitado. "Lamentavelmente, o brasileiro é muito imediatista e esse é um dos problemas do esporte nacional", argumenta. "As pessoas não entendem que é a médio e longo prazos que se forma um bom jogador, essa é uma questão cultural", argumenta.
Para Barbanti, o pouco tempo que em geral é destinado ao treinamento ajuda a explicar a derrota do Brasil na final da Copa do Mundo de Futebol daquele ano. "Os jogadores que vieram da Europa tiveram cerca de 15 dias para treinar e se preparar para a viagem rumo à França, enquanto o esporte profissional exige muito mais tempo de treino", afirma. "Além disso, nosso time era muito habilidoso individualmente, mas em conjunto não; acredito até que nossos jogadores são melhores que qualquer outra seleção, inclusive melhores que a do mundo, no entanto, em termos de conjunto não estávamos bem preparados taticamente para um campeonato mundial."
Segundo o especialista, um ou outro jogador brasileiro mostrou agilidade em campo, como Cafu e Rivaldo, mas a maioria não estava bem. "A França, apesar de não ter elementos individuais tão bons quanto os nossos, taticamente era muito superior e os jogadores se conheciam muito bem, tanto é que ganhou de três a zero de nós passeando em campo", observa. "Já os nossos jogadores não estavam bem preparados porque tiveram pouco tempo destinado à preparação física. O próprio Ronaldinho não estava no melhor de sua forma, mostrava-se muito cansado no segundo tempo, o que revela falta de treino."
Com relação ao que teria acontecido com o jogador no último jogo, Barbanti explica que ocupar a posição de ídolo exige muita solidez de personalidade. "Uma pessoa entre 21 e 25 anos ainda está em formação e tem dificuldades em lidar, de uma hora para outra, com tanto sucesso, prestígio e o mundo milionário que o futebol oferece", afirma. "Há muita cobrança e não é fácil suportar toda essa pressão, o que pode ter contribuído negativamente no caso de Ronaldinho."
Experiente em situações que exigem muita fibra e estrutura psicológica por parte da equipe, o professor vê uma boa perspectiva para a preparação física no País. "Todo esporte, hoje, tem um preparador físico, até mesmo o automobilismo", afirma. "É uma área emergente e a Copa do Mundo deixou isso muito claro. Portanto, ao ver um esportista, uma equipe ganhar ou perder, devemos analisar o resultado como fruto de um processo muito complexo e cuidadoso."
Fonte: www.usp.br/jorusp/arquivo/1998/jusp441/manchet/rep_res/rep_int/pesqui1.html
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