terça-feira, 28 de setembro de 2010

Apostila de Psicologia (2)

A Teoria de Henri Wallon


A constituição da pessoa: desenvolvimento e aprendizagem

Abigail Alvarenga Mahoney

Ao mesmo tempo que teorias aprimoram nosso olhar, nossa observação, e tornam nossas idéias mais claras e precisas, elas também são uma condição limitadora. É difícil abranger com elas toda a complexidade dos fenômenos estudados: ao mostrar, ao iluminar alguns componentes desses fenômenos, outros ficam obscurecidos. Uma boa teoria, como uma fotografia, é aquela que permite descobrir dimensões para além do seu foco.
Conceitos, princípios e tendências expressos na teoria de desenvolvimento de Henri Wallon são recursos, instrumentos que nos auxiliam a pensar sobre o processo de constituição da pessoa, à medida que as crianças crescem na direção do adulto da sua espécie, conforme os modelos disponibilizados na cultura em que vivem.
A infância é considerada pela teoria de uma perspectiva funcional, isto é, como um período claramente diferenciado, com necessidades e características próprias, e cuja função primordial é a constituição do adulto. Quanto mais a sociedade investir na infância, melhores condições garantirá para a constituição do adulto.
Vejamos em que direção a teoria de Henri Wallon aponta, que conceitos proposições, hipóteses ela propõe para dar inteligibilidade às transformações que se sucedem no processo de desenvolvimento da infância.
A partir dessa psicogenética, a teoria se baseia num enfoque interacionista que assume que todos os aspectos do desenvolvimento surgem da interação de predisposições geneticamente determinadas e características da espécie, com uma grande variedade de fatores ambientais.
Em outras palavras, o desenvolvimento da criança se constitui no encontro, no entrelaçamento de suas condições orgânicas e de suas condições de existência cotidiana, encravada numa dada sociedade, numa dada cultura, numa dada época.
As condições orgânicas oferecem as possibilidades internas, com base nas características da espécie, com uma dinâmica própria, semelhante em todo ser humano, que o coloca disponível para a interação com o meio social e físico.
O meio social e físico, por sua vez, coloca exigências a que a criança precisa responder para sobreviver e se adaptar a ele. Ao mesmo tempo, fornece os recursos que darão forma e conteúdo a essas respostas. Isto é, a cultura determina o que a criança precisa aprender e como, para se adaptar a essa sociedade. Basta pensar em culturas diferentes como a ocidental, a oriental, a indígena para perceber como variam o que a criança precisa aprender e os recursos usados para essa aprendizagem.
O foco das descrições e explicações da teoria de Henri Wallon é essa relação da criança com o seu meio, uma relação recíproca, complementar entre fatores orgânicos e socioculturais. Essa relação está em constante transformação e é nela que se constitui a pessoa.
Desenvolvimento, então, está sendo entendido como um processo constante, contínuo de transformação dessa relação ao longo da vida.
Isso não significa que seja um processo linear. Ele comporta fluxos e refluxos necessários ao ajuste das funções espontâneas da criança às exigências do meio. Cada estágio não implica apenas acréscimo de atividades mais coordenadas, mais complexas, mas sim uma reorganização qualitativa.
Essa reorganização qualitativa implica a transformação nas relações de oposição e de alternância que unem os conjuntos funcionais que compõem o psiquismo: o motor, a afetividade, a cognição e a pessoa. Cada estágio é marcado por configurações diferentes, que são responsáveis por novas funções e possibilitam novas aprendizagens.
Embora essas diferentes configurações qualitativas possam dar a impressão de descontinuidade, ela é apenas aparente. Continuidade não significa ausência de mudanças, mas transformações coerentes com a história evolutiva anterior.
O desenvolvimento é um processo aberto porque a cada nova exigência do meio – meio que está sempre em movimento – novas possibilidades orgânicas, de cujos limites pouco sabemos, poderão ser ativadas em múltiplas direções. Enquanto o indivíduo mantiver sua capacidade de adaptação, estará aberto a mudanças, ao desenvolvimento. A passagem do tempo impõe limites e abre possibilidades em todos os estágios.
A dimensão temporal do desenvolvimento, que vai do nascimento até a morte, está distribuída em estágios, cuja sequência é característica da espécie, embora o conteúdo de cada um deles varie histórica e culturalmente. São eles: impulsivo-emocional, sensório-motor e projetivo, personalismo, categorial, puberdade-adolescência, adulto. Cada um deles é composto de um conjunto de atividades espontâneas, anunciadoras de funções orgânicas que estão prontas para ser exercitadas e modeladas pelo meio.
Cada estágio é considerado um sistema completo em si, isto é, a sua configuração e o seu funcionamento revelam a presença de todos os seus componentes, o tipo de relação que os une e os integra numa só totalidade: a pessoa. Temos, então, uma pessoa completa a cada estágio.
Esses componentes ou conjuntos funcionais – motor, afetivo, cognitivo, pessoa – são responsáveis, cada um deles dentro do sistema total, pelo predomínio de uma faceta, de uma dimensão das atividades constitutivas do ser humano. Eles formam um sistema integrado em que cada um deles depende do funcionamento do sistema como um todo, cada um deles participa da constituição dos outros, funcionando, então, o psiquismo como uma unidade.
Os conjuntos funcionais são, então, constructos ou conceitos de que a teoria se vale para descrever e explicar a vida psíquica; são recursos abstratos de análise para identificar, para separar didaticamente o que na realidade concreta é inseparável: o indivíduo.
Eles se referem a um sistema de funções psíquicas que se expressam nas atividades da criança. Cada atividade da criança resulta, então, da integração pela pessoa do cognitivo com o afetivo e com o motor.

O que o conjunto motor oferece para a constituição da pessoa?

Oferece as funções responsáveis pelos movimentos das várias partes do corpo que, ao se combinarem, constituem o ato motor, que é um dos recursos mais organizados e preponderantes para o ser humano atuar no ambiente.
O ato motor insere a pessoa na situação concreto do momento presente. É o seu recurso de visibilidade.
Oferece a possibilidade de deslocamento do corpo no tempo e no espaço e as reações posturais que garantem o equilíbrio corporal.
Oferece, também, a estrutura, o apoio tônico para as emoções e os sentimentos se expressarem em atitudes e mímicas.
O movimento como recurso de visibilidade se transforma no primeiro recurso de sociabilidade, de aproximação e fusão com o outro. Estabelece uma consonância prática com o outro – contágio –, o que garante a sobrevivência do indivíduo da espécie.
Une os indivíduos entre si, dando suporte à atração precoce e poderosa que a criança sente por seu semelhante e que é a sinalização de sua profunda necessidade do Outro, isto é, de sua característica geneticamente social. O papel do Outro é crucial: organiza as atividades da criança e é o seu comportamento indispensável e permanente.
O ato motor é ainda um recurso privilegiado para a construção do conhecimento. As sensações só são retidas, discriminadas, identificadas no momento em que a criança é capaz de reproduzi-las por meio de gestos apropriados. Do contrário, continuariam indistintas, confundindo-se entre o que depende da excitação e o que depende da reação. Portanto, é um recurso indispensável no processo de diferenciação, de aprendizagem.
Inicialmente o comportamento motor prepondera sobre o conceitual. Sem ação motora ou verbal, falta à idéia o vigor necessário para se formar e manter-se. A direção do desenvolvimento vai do motor para o mental. Daí a necessidade imperiosa de liberdade de movimentos nas atividades que contribuem para a construção do conhecimento.
Em suas relações com o mundo, o ato motor procede por dualismos unitários: o vaivém do embalo, gestos de aproximação e recuo, de desejo e esquiva, movimentos de fluxo e refluxo, de equilíbrio e queda, lado direito e esquerdo. O ato motor em sua forma mais simples é, então, simetria, alternância em pares.
A aquisição da linguagem, recurso central para o desenvolvimento cognitivo, depende de um longo ajustamento de sequências de movimentos imitativos dos sons da língua que é falada na cultura.
O ato motor é, portanto, indispensável para a constituição do conhecimento e para a expressão das emoções, portanto inerente – junto ao cognitivo e ao afetivo – à constituição da pessoa.

O que o conjunto afetivo oferece para a constituição da pessoa?

Oferece as funções responsáveis pelas emoções, pelos sentimentos e pela paixão, que são os sinalizadores de como o ser humano é afetado pelo mundo interno e externo. Essa condição de ser afetado pelo mundo estimula tanto os movimentos do corpo como a atividade mental. São recursos de sociabilidade, de comunicação, exercendo atração sobre o outro com o apoio do ato motor.
As emoções são identificadas mais por seu lado orgânico, empírico e de curta duração; e os sentimentos, mais pelo componente representacional e de maior duração.
Emoções, sentimentos, paixão envolvem diferentes níveis de visibilidade, de duração, de intensidade, de controle e de predominância. A emoção é visível, fugaz, intensa e sem controle, quando comparada com o sentimento que se sobrepõe ao movimento exterior; portanto, perde seu recurso de visibilidade e é mais duradouro, menos intenso e mais controlado. A paixão é mais encoberta, mais duradoura, mais intensa, mais focada e com mais autocontrole sobre o comportamento.
É no entrelaçamento com o motor e o cognitivo que o afetivo propicia a constituição de valores, vontade, interesses, necessidades, motivações que dirigirão escolhas, decisões ao longo da vida.
O afetivo é, portanto, indispensável para energizar e dar direção ao ato motor e ao cognitivo. Assim como o ato motor é indispensável para expressão do afetivo, o cognitivo é indispensável na avaliação das situações que estimularão emoções e sentimentos.

O que o conjunto cognitivo oferece para a constituição da pessoa?

Oferece um conjunto de funções responsáveis pela aquisição, pela transformação e pela manutenção do conhecimento por meio de imagens, noções, idéias e representações. Transforma em conhecimento a mistura combinada de coisas e ação, que constituem a experiência concreta. O concreto, a experiência bruta, é indispensável para a elaboração do conhecimento.
Permite fixar e analisar o presente, registrar, rever, re-elaborar o passado e projetar futuros possíveis e imaginários.
Oferece, pelas diferentes linguagens, os signos que são os pontos de referência do pensamento, que pode usar a imaginação e seguir as mais livres e diversas trajetórias, unindo o que está separado, separando o que está unido.
Oferece as representações, que são recursos mentais para organizar a experiência. Ela encerram em unidades estáticas o conteúdo da experiência vivida.

E a pessoa? Qual sua função?

A pessoa – quarto conjunto funcional – expressa essa integração, em suas inúmeras possibilidades. A pessoa é a unidade do ser. Cada indivíduo tem uma forma própria e única, que caracteriza sua personalidade em movimento contínuo que vai desde a pessoa orgânica (predomínio do motor – nos três primeiros meses) até a pessoa moral (adolescência – predomínio do afetivo), passando pelo sensorio-motor e categorial. Existem, então, infinitas possibilidades de personalidades, só limitadas pela cultura.

a infância e a multiplicidade de suas possibilidades atingem o seu máximo no homem, o ponto em que seu desenvolvimento é a aptidão para modificar suas reações, não apenas seguindo a excitação bruta ou associações já realizadas, mas em função de suas representações relativas às circunstâncias presentes e futuras (Wallon, 1984, p. 5)

E a aprendizagem?

As atividades naturais e espontâneas da criança são seus primeiros recursos de interação com o mundo, portanto seus primeiros recursos de aprendizagem.
Posteriormente, o meio social vai exigir outras aprendizagens, a aquisição de outros recursos para responder às exigências da cultura, que serão mais bem-sucedidas se respeitarem as características motoras, afetivas e cognitivas naturais da criança.
A aprendizagem, como um dos motores do processo de desenvolvimento, também é um processo contínuo, constante, em aberto. Ao se relacionar com o meio humano e físico, a criança está sempre aprendendo.
A aprendizagem é, além dos automatismos naturais, mais um recurso de que a criança dispõe para responder às exigências de adaptação ao meio humano e físico que a rodeia e constituir-se como indivíduo.
A presença do outro humano nesse processo de aprendizagem é primordial e indispensável. A atração que a criança sente pelas pessoas que a rodeiam é uma das mais precoces e das mais poderosas. (Wallon, 1995, p. 161)
Essa atração é movida por uma das necessidades mais profundas do ser humano: estar com o outro para se humanizar.
Aprender é transformar-se na relação com o outro.
Todo início de aprendizagem apresenta-se como uma situação nova, como uma totalidade cujos componentes e cujas relações que os unem são desconhecidas. A percepção inicial é, então, global, confusa, sincrética, em que as partes estão misturadas de tal forma que impossibilitam o seu reconhecimento, a distinção das relações que ligam essas partes desse todo e traduzem o seu significado.
O papel essencial da aprendizagem é a apreensão, a identificação dessas partes e dessas relações, quer se trate de aquisições predominantemente motoras, afetivas ou cognitivas. É, portanto, a aquisição de significados.
Em todas essas aprendizagens, apesar de predominâncias e direções diferentes, sempre estão envolvidos os quatro conjuntos funcionais: motor, afetivo, cognitivo, pessoa, funcionando em conjunto, ora mais voltados para dentro (constituição de si), ora mais voltados para fora (conhecimento do mundo).
As oportunidades para que essas aprendizagens ocorram são proporcionadas pela sociedade, tanto de maneira informal nos vários espaços frequentados pelas crianças (família, rua, amigos, igreja, etc) como de maneira sistematizada, como é o caso da escola.
Essa apreensão sucessiva de componentes e de suas relações constitui o processo de diferenciação.
Aprender é diferenciar.
Cabe ao ensino oferecer pontos de referência, pré-requisitos para que a aprendizagem se concretize na direção de conceitos cada vez mais diferenciados e mais abstratos.
Nessa trajetória, a criança dispõe, a cada estágio, de recursos próprios que a habilitam a conhecer o mundo e, ao mesmo tempo, se conhecer: reações circulares, jogos, brincadeiras, atenção distribuídas, habilidade de concentração, memória, percepção de diferenças e semelhanças etc., tendendo para maior rigor na representação simbólica e cada vez menor dependência do concreto e do presente. Esses recursos, uma vez adquiridos, serão usados nos diferentes estágios, porém com conteúdos diversos.
Em sua relação com o mundo, a atividade mais primitiva da criança é a reação circular: exercícios motores em que a criança busca pela repetição ajustar seus movimentos aos objetos a seu alcance. Essa aprendizagem motora é o prelúdio para outras aprendizagens nos domínios cognitivo e afetivo: exercícios que pela repetição, em condições variadas, permitem que a criança vá ajustando suas representações e expressões afetivas a novos conteúdos. É um mecanismo que se repete vida afora, toda vez que se buscam, pela repetição, ajustes de conteúdos e atividades a circunstâncias diferentes. Por exemplo, para uma criança como uma representação de escola como local frequentado por crianças para estudar, a visita a uma universidade – local para estudar e frequentado por adultos – introduz novos conteúdos que exigirão ajustes em sua representação de escola.
Na medida em que a teoria de desenvolvimento descreve as características de cada estágio, está também oferecendo elementos que podem tornar o processo ensino-aprendizagem mais produtivo, oferecendo pontos de referência para orientar e testar atividades adequadas ao estágio de desenvolvimento em que o aluno se encontra.
A identificação das características de cada estágio pelo professor permitirá planejar atividades que promovam um entrosamento mais produtivo entre essas características e as condições de ensino.
Daí a importância de o professor encarar a teoria como um conjunto de afirmações hipotéticas a ser constante testadas, verificadas no confronto com os resultados da aprendizagem do aluno na situação concreta.
Assim, ao lado dos conhecimentos teóricos, assumem relevância a sensibilidade, a curiosidade, a atenção, o questionamento e a habilidade de observação do professor sobre o que se passa no processo ensino-aprendizagem.
E essa análise deve considerar que ensino e aprendizagem constituem um único processo, são pólos que mantêm entre si uma relação de reciprocidade.
Wallon esperava que os resultados de sua psicologia genética, que deram origem à sua teoria de desenvolvimento, fossem aproveitados pela pedagogia, em novas pesquisas no contexto educacional, gerando princípios que pudessem orientar o desempenho do professor como criador de condições promotoras do desenvolvimento de seus alunos – que é o que constitui o ensino.
Esperava também que o trabalho escolar sugerisse questões a ser investigadas pela psicologia.
Nessa relação psicologia-pedagogia, o autor está indicando que a teoria psicológica acrescenta dados, informações relevantes para o desempenho do professor, sem ter, entretanto, um caráter normativo, restritivo.
O desempenho do professor precisa ter consistência, organização, sugeridas tanto por conhecimentos teóricos sobre as características de cada estágio do desenvolvimento como pelas formas em que esses conhecimentos se traduzem no seu comportamento e que revelam também o seu saber, derivado de sua prática, principalmente pelos resultados obtidos na situação concreta de sala de aula.
Nesse sentido, a teoria assume três funções paralelas e complementares: dá previsibilidade à sua rotina, oferece subsídios para o questionamento e o enriquecimento da prática e da própria teoria, e possibilita alternativas de ação com maior autonomia e segurança.
A teoria de desenvolvimento torna-se assim um instrumento que pode ampliar a compreensão de professor sobre as possibilidades e os limites do aluno no processo de aprendizagem e fornecer indicações de como o ensino pode criar intencionalmente condições para favorecer esse processo, proporcionando a aprendizagem de novos comportamentos, novas idéias, novos sentimentos.
Quanto maior a variedade de oportunidades que a criança tem à sua disposição para exercitar as funções que amadurecem a cada estágio, melhor o desenvolvimento de suas aptidões para enfrentar as exigências do meio. Daí da importância de a escola oferecer variedade de situações, de exercícios para as funções já amadurecidas a cada estágio.
É necessário, então, que o professor esteja atento à sinalização dessas funções, reveladas especialmente em atividades espontâneas.
A aprendizagem nos primeiros meses de vida se faz predominantemente pela fusão com o outro, via emoção. Embora ela seja sincrética, em que se misturam num todo indiscriminado sensações visuais, auditivas, gustativas, táteis, é o atendimentos pelo outro que começará a dar sentido às reações provocadas por essas sensações. É o estágio impulsivo-emocional em que predomina a aprendizagem sobre o próprio corpo e em que se inicia a consciência de “o que sou?”.
No estágio seguinte, predomina o contato direto e a manipulação de objetos. É a aprendizagem sensório-motora e a consciência de que “eu sou diferente dos objetos”.
No personalismo – terceiro estágio –, a criança aprende principalmente pela oposição ao outro, pela descoberta do que a distingue dos outros: “eu sou diferente dos outros”.
No categorial, que coincide com o início do período escolar, a aprendizagem se faz predominantemente pela descoberta de diferenças e semelhanças entre objetos, imagens, idéias, representações: “o que é o mundo?”.
Na puberdade e na adolescência, o recurso principal de aprendizagem volta a ser a oposição, que vai aprofundando as diferenças entre idéias, sentimentos, valores, próprios e do outro: “quem sou eu? quais são meus valores? quem serei no futuro?”.
A interação social que facilita essas aprendizagens é aquela que respeita o momento em que a criança se encontra nesse processo, dos pontos de vista motor, afetivo e cognitivo, e assim cria as condições para que ela vá superando esse momento e passando para um novo estágio. Essa interação deve ser guiada pelo tipo de adulto que se quer formar e pelo tipo de aprendizagem mais adequado para essa constituição.
Na fase adulta, vai se delineando com mais clareza e nitidez a consciência de si como um ser que, apesar de tantas transformações, continuou sempre o mesmo e único: “eu sei quem eu sou e quais são meus valores”.
Os valores se confirmam em suas escolhas e decisões, e revelam o mais central deles, que é a consciência do dever de guiar seus comportamentos pela constelação de valores assumidos.
O compromisso com os próprios valores anuncia o final da adolescência, e o adulto, então, estará livre para voltar-se para fora de si e em condições de acolher o outro solidariamente e continuar a se desenvolver com ele.
O adulto tem uma consciência mais clara de sua identidade, de seus valores, de suas possibilidades, de seus limites, inclusive do tempo.
Outro indicador do amadurecimento do adulto é o equilíbrio entre “estar centrado em si” e “estar centrado no outro”. Nas fases anteriores, esse equilíbrio vacila, com predominância de um ou de outro pólo.
Na organização das atividades escolares, Wallon dá destaque especial para a solidariedade, como um valor que visa o bem estar de todos, por meio da promoção de seu desenvolvimento, expresso na aprendizagem das condições mais adequadas para convivência e sobrevivência humanas.
A dimensão temporal atravessa todo o processo de aprendizagem na direção do futuro, porém em ritmos diferentes, conforme as condições orgânicas e sociais da criança no momento. Ao mesmo tempo, é preciso encaixar essa dimensão temporal nos limites de funcionamento da escola, buscando um equilíbrio entre os dois pólos: criança-escola.
A organização em ciclos – se garantida a qualidade – poderia ser uma das possibilidades para dar mais flexibilidade a esse ajuste entre ritmos diferentes e aprendizagem.
As condições organizadas pela escola também precisam ser avaliadas em sua dimensão espacial, considerando as necessidades de cada estágio. É condição propícia à aprendizagem a criança ter espaço suficiente que permita liberdade de movimentação de forma confortável. É preciso não esquecer que o tempo e o espaço da criança são diferentes daqueles do adolescente e do adulto, e a escola pede um equacionamento deles. E lembrar sempre que aprendizagem e o ensino, juntos, formam um processo único que se caracteriza por movimentos de fluxo e refluxo, de idas e voltas, de certezas e incertezas, de decisões e indecisões, enfim, de revisões mil.




A constituição da pessoa: dimensão motora

Ana Martha de Almeida Limongelli


Introdução


As necessidades da descrição obrigam a tratar separadamente alguns grandes conjuntos funcionais, o que não deixa de ser um artifício, sobretudo de início, quando as atividades estão ainda pouco diferenciadas. Algumas, porém, como o conhecimento, surgem manifestadamente tarde. Outras, pelo contrário, surgem desde o nascimento. Existe entre elas uma sucessão de preponderância. Aliás, para o reconhecer isso é necessário saber identificar o estilo próprio de cada uma e não nos limitarmos à simples enumeração dos traços que são simultaneamente observáveis (Wallon, 1941/1998, p. 131)

As autoras desta obra compactuam com esta visão e compreendem que a separação na apresentação dos conjuntos funcionais é um recurso didático.
Assim, a discussão sobre a dimensão motora está baseada na compreensão de que essa dimensão desenvolve-se de forma integrada às demais dimensões da pessoa. Isso implica, entre outras consequências, que é necessário a nós, professores(as), ter conhecimentos que nos possibilitem entender os processo de desenvolvimento humano, uma vez que, para organizarmos nossa prática pedagógica, é fundamental conhecermos nosso aluno.
A necessidade de entendermos os processos de desenvolvimento já era apontada por Henri Wallon no início do século passado, visto que já indicava que compreender o aluno envolvia entender os recursos de que ele dispunha para atuar e se relacionar com o meio humano, físico e cultural. Wallon (1941/1975; 1941/1998) trata com destaque o movimento, pois o vê como constitutivo das relações que a pessoa estabelece ao longo de sua vida.
Notifico que, ao longo do texto, o termo movimento será empregado como sinônimo de movimento corporal humano.
Diante dessa compreensão, “ser professor” abre uma rede de perspectivas e caminhos. Entre estes, gostaria de destacar o caminho que indica que “ser professor” é algo que se constrói, que se forma, que se desenvolve e, portanto, não é uma estrutura pronta, fechada e imutável dada a priori para determinados indivíduos.
Assim, nós não nascemos professores(as), mas aprendemos a ser professores(as) ao longo de nossas carreiras. Para tanto, entre outras necessidades, precisamos conhecer e trabalhar as relações entre teoria e prática. Nessa perspectiva, consideramos que é necessário ter conhecimentos que nos possibilitem entender a dimensão motora da pessoa para organizar uma prática pedagógica adequada às necessidades de nossos alunos. Entendemos, assim, ser necessária à formação do professor a compreensão do movimento como um aspecto da pessoa em desenvolvimento, integrado às dimensões afetiva e cognitiva.

Brincando com o movimento corporal

Antes de apresentar a visão walloniana sobre o movimento corporal humano, gostaria de convidá-lo para brinca um pouco com seu movimento.
A brincadeira consiste em você, por meio de suas sensações atuais ou memorizadas, identificar em qual das situações a ser apresentadas realizou movimento com seu corpo. Você topa esta brincadeira? Sinto que sua resposta é sim! Então... aí vão as situações:
Situação 1: Você está brincando de pega-pega (pique-pega) ou jogando queimada (queima) com seus colegas de escola.
Situação 2: Você está sentado(a) confortavelmente realizando a leitura atenta de um romance ou de um livro de ação.
Em qual das situações você realiza movimentos corporais? Penso que após alguma hesitação você respondeu: Na situação 1, pois realizei deslocamentos do corpo ou partes do corpo no tempo e espaço. Ou seja, mexi o meu corpo para diferentes lugares, direções e sentidos.
Gostaria de lhe dizer que sua resposta vai ao encontro de grande parte da literatura que trata da relação entre movimento corporal humano e processo de ensino-aprendizagem.
Tal compreensão de movimento fundamenta-se na visão mecânica e estrutural dele. Isto quer dizer: os estudos do movimento corporal centram-se nas relações biomecânicas que o corpo e suas partes efetuam ao se deslocar no tempo e espaço.
Para melhor explicitar a visão acima, apresento um exemplo: estudar o movimento de uma criança correndo significa medir o espaço percorrido, medir a velocidade e a aceleração da corrida, medir a força produzida pelos músculos das pernas. Enfim, significa medir os efeitos produzidos pela criança correndo, que nada mais são do que os deslocamentos observáveis do corpo ou de partes do corpo por meio de relações matemáticas e físicas.
Pensar assim – o ser humano como máquina composta de variadas alavancas (variados ossos e músculos), cujas movimentações acontecem como decorrência exclusiva das relações matemáticas entre forças físicas – desconsidera as relações entre as dimensões motora, afetiva e cognitiva. Em outras palavras, desconsidera as influências dos elementos internos da pessoa (emoções, sentimentos, pensamentos) para a realização dos movimentos corporais. Essa concepção de ser humano como uma máquina entendo o aluno de maneira fragmentada.
Se pensarmos assim, o movimento do aluno é considerado um elemento gerador de desatenção, que interfere negativamente no processo ensino aprendizagem, passando a ser proibido na sala de aula e ficando restrito às aulas de Educação Física. Tais aulas de Educação Física, fundamentadas na perspectiva apresentada, são organizadas para trabalhar a padronização e a disciplina das ações/movimentos dos alunos.
Essa atuação caracteriza-se por uma análise descritiva e revela compreender o movimento como, exclusivamente, deslocamento voluntário do corpo ou de partes do corpo no tempo e espaço. Desconsidera, assim, o sentido humano do movimento e considera-o semelhante aos movimentos realizados por qualquer objeto. Com isso, o aluno é visto como um objeto a ser moldado pelo sistema educacional.
Essa forma de entender o movimento corporal em uma perspectiva fragmentada que não considera o aluno na integração das dimensões motora, afetiva e cognitiva provoca-nos a necessidade de repensar o papel do movimento do aluno no processo ensino aprendizagem.
Nos finais dos anos 1970 e começo do anos 1980, os métodos de ensino começara a dar ênfase ao movimento do aluno como elemento facilitador do processo de aprendizagem (Mizukami, 1986).
Embora essa perspectiva tenha se iniciado há mais de 20 anos, ainda hoje se nota que está em fase de discussão, esclarecimento e implementação no sistema educacional brasileiro. O aluno ainda é visto sob um olhar dicotômico e fragmentado, pelo qual seu movimento é compreendido como, exclusivamente, deslocamento voluntário do corpo ou de partes do corpo no tempo e espaço.

Repensando o movimento corporal humano

Convido você a brincar novamente com o movimento corporal. Que tal repensar as situações 1 e 2, anteriormente apresentadas, levando em consideração a questão do sentido humano do movimento? Penso que você respondeu que aceita tal repensar!
Wallon (1934/1995; 1941/1975) argumenta que o sentido humano do movimento é garantido pela capacidade de os músculos não apenas gerarem tensão para os deslocamentos corporais, mas também por serem a base das atitudes dos seres humanos.
As atitudes são expressões corporais engendradas na integração de emoções, pensamentos e intenções, adquirindo assim um sentido humano.
Na situação 1 (você está brincando de pega-pega ou jogando queimada), será que houve momentos em que permaneceu no lugar pensando para que lado iria correr a partir da observação da fisionomia de seu colega para prever para onde ele iria jogar a bola ou correr?
Na situação 2 (você lendo atentamente um romance ou livro de ação), será que houve momentos em que sentiu um nó na garganta e lágrimas escorreram dos olhos, ou sentiu-se cansado(a), com respiração ofegante, ao ler uma cena de perseguição?
Acredito que tenha respondido sim para ambas as situações. Pois bem, isso indica que tanto na situação 1 como na situação 2 você conseguiu identificar a existência do movimento corporal não apenas como deslocamento voluntário do corpo ou de partes do corpo no tempo e espaço facilmente observáveis, mas também como funcionamento permanente do corpo n as variadas situações.

A visão walloniana do movimento corporal humano

A teoria walloniana oferece uma contribuição significativa para a compreensão do movimento (Wallon, 1925, 1984; 1934/1995; 1941/1998).
Tratando especificamente do movimento corporal, Wallon (1941/1975) discute três formas de deslocamento: o movimento exógeno ou passivo, o movimento autógeno ou ativo e o movimento de reações posturais ou deslocamento dos segmentos corporais uns em relação aos outros.
O primeiro deslocamento, o movimento exógeno ou passivo, caracteriza-se pelos deslocamentos necessários para os seres humanos manterem uma relação harmoniosa com a força da gravidade. Ou seja, são os posicionamentos que o corpo necessita assumir para atingir seu ponto de equilíbrio estável. Esse movimento é que permite aos seres humanos saírem de uma posição horizontal para a posição vertical dinâmica, tão importante e significativa para a evolução da espécie humana. As estruturas corporais, ou centros neurológicos que controlam esse tipo de movimento, estão localizadas na região subcortical do cérebro, ou seja, são movimentos subconscientes. Exemplo: quando estamos andando e tropeçamos ou escorregamos em um piso liso, sem pensar reagimos imediatamente com abertura de nossos braços e o abaixamento do corpo para tentar restabelecer nosso equilíbrio corporal.
O segundo deslocamento, o movimento autógeno ou ativo, se caracteriza pelos deslocamentos voluntários ou intencionais do corpo ou de partes do corpo no tempo e espaço, possibilitando a locomoção e a preensão dos objetos. Esse movimento é chamado, por Wallon, de movimento propriamente dito. As estruturas corporais, ou centros neurológicos que controlam esse tipo de movimento, estão localizadas na região cortical do cérebro, ou seja, são movimentos conscientes. Exemplo: quando queremos comer uma maça, nós controlamos os movimentos de nosso braço e de nossa mão para que possamos pegar a maça e levá-la à boca.
Ambos os tipos de movimentos, exógeno e autógeno, são estudados com base em suas trajetórias e seus ângulos de deslocamentos pela matemática e pela física.
O terceiro deslocamento é o movimento de reações posturais ou deslocamento dos segmentos corporais uns em relação aos outros, caracterizado pelas mímicas ou expressões corporais e faciais que os seres humanos constroem nas diferentes situações ou experiências vividas. Ou seja, constituem-se nas atitudes que os seres humanos apresentam a partir das diversas emoções e vivências. As estruturas corporais, ou centros neurológicos que controlam este tipo de movimento, estão localizadas na região subcortical do cérebro, ou seja, são movimentos subconscientes. Exemplo: quando um(a) amigo(a) nos olha e percebe tensão ou tristeza sem termos dito uma única palavra, ou seja, apenas pela observação de nossa fisionomia (testa contraída ocasionando abaixamento e aproximação das sobrancelhas entre si) ou expressão corporal (ombros caídos e costas recurvadas).
Em geral, esse movimento se confunde com o movimento tipo exógeno ou passivo devido ao pouco deslocamento externo observável do corpo. A diferença entre eles está na origem e no nível de deslocamento realizados.
Para o tipo de movimento em questão (reações posturais), a sua origem está na variação das emoções, e os deslocamentos provocados ficam num nível músculo-cutâneo. Ou seja, há apenas mudanças visíveis na plástica da musculatura corporal, sem a provocação de mudanças do corpo no tempo e espaço. Dessa forma, o movimento de reações posturais não pode ser analisado via descrição de trajetórias ou ângulos de deslocamentos pela matemática e pela física, uma vez que as mudanças produzidas ficam num nível músculo-cutâneo.
Assim, percebe-se, na análise descrita por Henri Wallon, o avanço dado por ele quando apresenta o terceiro tipo de deslocamento do movimento corporal humano: as reações posturais ou atitudes. Ou seja, ele reconhece que o movimento ocorre tanto no espaço físico externo do corpo como no espaço orgânico interno do corpo. Isso quer dizer que houve um avanço sobre o papel dos movimentos, reconhecendo a importância das emoções e do pensamento.
Como a teoria de Henri Wallon é uma teoria fundamentada, predominantemente, numa análise explicativa, ele vai aprofundar seus estudos sobre o movimento buscando compreender as origens e funções dos diferentes tipos de deslocamento do movimento corporal.
O ponto de partida para qualquer ação do sistema nervoso são as sensibilidades corporais, pois permitem ao ser humano reconhecer as condições e necessidades de seu próprio corpo e do mundo exterior a ele. Nós temos três sensibilidades corporais: a interoceptiva, a proprioceptiva e a exteroceptiva (Wallon, 1934/1995).
A sensibilidade interoceptiva é a mais primitiva, ligada às vísceras. Ela provoca, predominantemente, sensações difusas que sinalizam sobre os estados de bem ou mal estar da pessoa. Isso ocorre mediante informações provenientes da região subcortical responsável pelas emoções. Por exemplo, esta sensibilidade gera sensações de conforto e desconforto, como fome/saciedade, frio/calor e outras.
A sensibilidade proprioceptiva provoca, predominantemente, sensações relativas ao equilíbrio do corpo e à posição dos segmentos corporais em relação ao próprio corpo. Isso ocorre por meio de informações provenientes da região subcortical do cérebro. Essa sensibilidade permite organizar nosso esquema corporal. Ou seja, permite que saibamos a localização e o estado corporal de partes do nosso corpo. Por exemplo, quando fechamos os olhos, sabemos que os nossos pés estão abaixo de nossa cabeça sem precisarmos olhar para os pés.
A sensibilidade exteroceptiva fornece ao próprio corpo informações do mundo exterior via os cinco sentidos: olfato, audição, paladar, visão e tato. Isso ocorre por meio de informações provenientes da região cortical do cérebro. Essa sensibilidade permite que identifiquemos as condições do mundo exterior ao nosso corpo, como reconhecer o tipo de apoio do solo para que possamos organizar nosso caminhar.
Nota-se que as sensibilidades interoceptiva e proprioceptiva atuam, predominantemente, nos meios corporais internos tendo como base de informação a região subcortical. Ao passo que a sensibilidade exteroceptiva atua, predominantemente, nos meios externos do corpo tendo como base de informação a região cortical. Tais sensibilidades estabelecem a comunicação complexa e dinâmica entre si, visto a integração existente entre os sistemas nervosos Somáticos e Visceral, garantindo a totalidade e a unidade do ser.
A musculatura corporal que recobre o esqueleto humano é constituída, predominantemente, pelos músculos estriados, os quais são formados por células musculares denominadas fibras musculares. Estas apresentam em seus interiores filamentos de proteínas com propriedades contráteis, denominados miofibrilas. As miofibrilas respondem aos impulsos nervosos advindos tanto dos neurônios sensitivos como dos neurônios motores, produzindo tensões nas fibras musculares e configurando, assim, o tônus muscular. (Lent, 2001)
Buscando compreender o papel das emoções no processo de desenvolvimento humano, Henri Wallon identificou e explicitou a diferenciação funcional da natureza do tônus muscular, ou seja, a relação entre tônus e emoção. Ele encontrou que estímulos nervosos advindos de diferentes regiões cerebrais geravam diferentes potenciais de ações nas miofibrilas dos músculos estriados, produzindo diferentes níveis de tônus muscular. Em especial, Henri Wallon identificou que estímulos nervosos provenientes da região subcortical responsável pelas emoções geravam pequenos potenciais de ações, os quais mobilizavam desordenadamente apenas parte das miofibrilas dos músculos estriados. Isso provocava um nível de tônus muscular de baixa itensidade, a qual era insuficiente para contrapor-se ou equilibrar-se à força da gravidade, mas apenas conseguia produzir modificações na plástica da musculatura corporal. Ou seja, tal tônus muscular dá origem às atitudes ou expressões corporais das emoções. Esse tônus foi denominado tônus plástico (Wallon, 1934/1995; 1941/1998). Com isso, ele:

Inova profundamente as teorias científicas da motricidade e da emoção... A originalidade de Wallon consiste em dar à função motora, e sobretudo à tonicidade, um sentido humano. O tônus não é apenas um estado de tensão necessário à execução da contração muscular, ele é também atitudes, posturas (Zazzo, 1941/1998, p. 14).

Com base em seus estudos, Henri Wallon considera que a construção dos três tipos de deslocamentos do movimento corporal – o movimento exógeno, o movimento autógeno e o movimento de reações posturais – preencher duas funções: a função cinética e a função tônica.
A função cinética origina-se na sensibilidade exteroceptiva, é controlada predominantemente, pela região cortical do cérebro, gerando impulsos nervosos que formam o tônus residual da musculatura estriada, o qual possibilita à pessoa realizar o movimento autógeno ou ativo. Permite à pessoa realizar seus movimentos voluntários ou intencionais.
A função tônica, devida à diferenciação de sua natureza, apresenta duas formas. Uma forma é a que se origina na sensibilidade proprioceptiva e é controlada, predominantemente, pela região subcortical do cérebro, gerando impulsos nervosos que formam o tônus contrátil da musculatura estriada, o qual possibilita à pessoa realizar o movimento exógeno ou passivo. Permite à pessoa construir seu esquema corporal.
Outra forma da função tônica é a que se origina na sensibilidade interoceptiva e é controlada, predominantemente, pela região subcortical do cérebro responsável pelas emoções, gerando impulsos nervosos que formam o tônus plástico da musculatura estriada, o qual possibilita à pessoa realizar os movimentos de reações posturais ou atitudes. Permite à pessoa expressar corporalmente suas emoções.
Nota-se, diante do exposto, que o movimento envolve uma rede complexa e integrada de diferentes estruturas corporais (Sistema Nervoso Somático, Sistema Nervoso Visceral, neurônios sensitivos, neurônios motores, sensibilidade interoceptiva, sensibilidade proprioceptiva, sensibilidade exteroceptiva, músculos estriados com seus variados míveis de tônus muscular) que se relacionam com as variadas fontes de informações, dando origem às diferentes funções (função tônica e função cinética) dos movimentos da pessoa.
Esta ampla e complexa rede mostra que estes diferentes componentes (estruturas corporais e informações) se interpenetram e produzem os diferentes tipos de movimentos. Indica também que o movimento ocorre pela integração das dimensões motoras, afetiva, cognitiva. Ou seja, a dimensão motora estabelece relação integrada com a dimensão afetiva predominantemente por meio da função tônica, especialmente na constituição do tônus plástico, que produz a mímica corporal ou as atitudes da pessoa. A dimensão motora estabelece relação integrada com a dimensão cognitiva predominantemente por meio da função cinética, especialmente na constituição do tônus residual, que produz os movimentos voluntários ou intencionais da pessoa.
Essa integração das diferentes dimensões da pessoa para a realização de seus movimentos corporais pode ser observada em diversas situações. Por exemplo, tanto envolve uma pessoa realizando algo inesperado diante de uma forte emoção como uma pessoa realizando um movimento corporal novo após um longo aprendizado ou, ainda, uma pessoa construindo um conceito abstrato. Ou seja, quando conseguimos subir em um árvore rapidamente ao termos levado um grande susto por encontrar um cão bravo vindo para cima de nós (nessa situação, predominantemente a dimensão afetiva mobilizou a dimensão motora, e ambas elaboraram uma rota de movimentos corporais para reagir ao perigo representado pelo cão bravo), ou quando conseguimos andar de bicicleta após várias quedas e aprendizagens (nessa situação, predominantemente a dimensão cognitiva mobilizou a dimensão motora, as quais elaboraram uma rotina de movimentos compatíveis e adequados para solucionar o problema de se deslocar montado em uma bicicleta), ou quando uma pessoa, após a manipulação de objetos de diferentes pesos, consegue aprender a noção de peso (nessa situação, predominantemente a dimensão motora mobilizou a dimensão cognitiva, as quais elaboraram por meio das diferentes sensações de peso dos objetos manipulados a organização no plano mental da noção de peso).
Retomando, Henri Wallon considera que o movimento corporal humano não é apenas deslocamento voluntário do corpo ou partes do corpo no tempo e espaço, mas é uma atividade de relação da pessoa consigo mesma, com os outros e com o meio, na qual são construídos e expressos conhecimentos e valores (Wallon, 1925/1984; 1934/1995).
Por isso, nós professores(as) precisamos conhecer os processos de desenvolvimento humano não só no que se refere aos elementos da dimensão motora, mas também no que tange às dimensões afetivas e cognitiva, a fim de conseguirmos observar os movimentos de nossos alunos para podermos elaborar situações pedagógicas adequadas às características e necessidades deles.
A teoria walloniana permite a nós, professores(as), não apenas repensar o sentido do movimento de nosso aluno nas diferentes situações pedagógicas vivenciadas, mas, principalmente, instiga-nos a repensar nossos próprios processos de construção de conhecimentos e formação docente.



Extraído de: MAHONEY, Abigail Alvarenga; ALMEIDA, Laurinda Ramalho de. (orgs.) A constituição da pessoa na proposta de Henri Wallon. São Paulo: Loyola. 2004. pp. 13-24 e pp. 47 – 59.







































A Teoria das Inteligências Múltiplas

A Teoria das Inteligências Múltiplas toma forma com a abordagem plural das habilidades, capacidades, faculdades, talentos e competências do Homem, especialmente exigidas dentro do seu contexto de cultura, transcendendo, assim, das abordagens da linguagem verbal e da razão lógica. Desta forma, Gardner (1994) indica para três pilares que sustentam a sua configuração.
O primeiro pilar surge com as pesquisas sobre Inteligência Artificial, que contribuíram para as novas descobertas. O indicativo de inteligência das máquinas era o número de associações que poderiam fazer, a quantidade de problemas que pudessem resolver, contribuindo para o progresso das ciências cognitivas, na busca de se desenvolver determinadas e específicas habilidades e estratégias de resolução de problemas para essas máquinas, possuidoras da inteligência artificial.
O segundo pilar dirige-se ao cidadão e suas possibilidades de relacionamentos diversificados, na medida em que se busca a pessoa mais feliz, adaptada à complexidade do ambiente em que vive. Torna possível a formação do cidadão estimulado em sua criatividade, auxiliando em sua capacidade de tomar decisões, no equilíbrio de seus aspectos emocionais e de sua razão e comprometido com as questões da sociedade. Por isto, para Gardner (1994), não basta medir.
Os estudos sobre o cérebro constituem-se no terceiro pilar. Sabe-se que o cérebro e seu funcionamento compõem-se em um mundo a ser descoberto. É sabido hoje da sua grande capacidade de adaptação (Gardner, 1994), da combinação dos neurônios, da sua capacidade de reter memória, da adaptabilidade de determinadas áreas a novas funções quando lesado.
A partir do exposto, Gardner (2000) busca novos conceitos e conseqüentes aplicações de Inteligência, que possam satisfazer as necessidades do Homem, no mundo moderno. Então, o conceito de pluralidade da mente começa a se formar. Em um primeiro momento, o autor toma contato com os estudos sobre crianças e as artes, na perspectiva da simbolização humana. Em seguida, teve a oportunidade de trabalhar com pessoas portadoras de síndromes e lesões cerebrais graves, dentre elas autistas que exibiam elevadas habilidades para trabalhar com números. Outras apresentavam grandes dificuldades em comunicação, porém portadores de talento para a música.
Diante destas observações e de muitas outras no campo da neuropsicologia, Gardner (2000) chega à conclusão de que as pessoas têm um leque de capacidades. Notou que algumas pessoas tinham grande capacidade em uma área de atuação, mas não exibiam a mesma capacidade em algumas outras áreas. Da mesma forma, a deficiência para o aprendizado em alguma habilidade não significava que essa pessoa tivesse sucesso ou fracasso na maioria de outras atividades cognitivas.
Assim, começa a dar forma à idéia de que as habilidades se diversificam, e de forma independente:

“...as populações com que eu estava trabalhando estavam me dando pistas para a mesma mensagem: a de que se pensa melhor a mente humana como uma série de faculdades relativamente independentes, tendo relações apenas frouxas e não previsíveis umas com as outras, do que como uma máquina única para todas as coisas, com uma capacidade de desempenho constante, independente de conteúdo e contexto.” (Gardner, 2000, p. 45)

Diante destas observações, o autor marca a ruptura com a idéia dos mais inteligentes e dos menos inteligentes e começa a estabelecer que as inteligências atuam de forma independente. Porém, indica que ao resolver problemas, dificilmente as inteligências trabalham sozinhas. Conclui que todos possuem e têm condições de se desenvolver em todas as inteligências, determinando que este desenvolvimento está marcado fortemente por meio da mobilização e estimulação promovidas pelo contexto de cultura em que o indivíduo está inserido. Se não existirem a estimulação e mobilização de determinada inteligência, o potencial fica estagnado (Gardner, 1994, 2000).
Assim sendo, evoluindo com suas idéias e proposições, Gardner (2000, p. 47) apresenta sua definição para Inteligência: “Um potencial biopsicológico para processar informações que pode ser ativado num cenário cultural para solucionar problemas ou criar produtos que sejam valorizados em uma cultura”.
A partir do exposto, o autor classifica a Inteligência como sendo um potencial neural e sugere que ela pode, ou não, ser ativada, dependendo dos valores da cultura em que o indivíduo está inserido e dos estímulos que recebe no ambiente composto por pais, familiares, professores, técnicos e outros agentes interventores.
Gardner (1994, 2000) propõe indicações manifestas, ou critérios de apoio, para que um conjunto de habilidades seja considerado uma inteligência.
• O potencial de isolamento da lesão cerebral, pela determinação de que tal inteligência tenha sido poupada, revelando autonomia de outras faculdades humanas;
• Uma história evolucionária e aceitabilidade das explicações evolucionárias da Inteligência, na medida em que é possível localizar os antecedentes evolutivos de uma inteligência específica, na verificação de provas sobre a evolução de nossa espécie, cruciais para discussões sobre a mente e o cérebro contemporâneos;
• Uma operação ou conjunto de operações nucleares identificáveis por mecanismos de processamento de informações vindas do mundo real. As inteligências específicas operam em ambientes ricos, tipicamente em conjunção com outras inteligências. Faz-se necessário aparecer capacidades que pareçam centrais para uma inteligência. É provável que estas capacidades sejam mediadas por mecanismos neurais específicos, acionados por informações internas e externas consideradas relevantes por esse sistema;
• Suscetibilidade à codificação num sistema de símbolos. Grande parte da comunicação humana de conhecimento ocorre através de sistemas de símbolos – linguagem falada e escrita, sistemas matemáticos, diagramas, desenhos, equações lógicas, etc. Esses sistemas continuam sendo desenvolvidos para transmitir e codificar informações de forma sistemática e precisa, de significativa importância em determinada cultura, podendo assim captar e transmitir o significado dos acontecimentos;
• Uma história de desenvolvimento distinta das inteligências, pois os indivíduos não exibem suas inteligências em estado natural. Faz-se então necessário que certa habilidade, para ser desenvolvida, passe por um processo de desenvolvimento e treinamento específico para aquela habilidade;
• A existência de sábios, prodígios e outras pessoas excepcionais, que, sem qualquer sinal documentado de lesão cerebral, têm perfis de inteligência inusitados, como sábios, autistas, prodígios. Ao mesmo tempo em que podem apresentar desempenho excepcional em determinada habilidade ou competência, demonstram desempenho medíocre em outras áreas;
• Apoio de tarefas psicológicas experimentais. Os psicólogos podem ver, até que ponto, duas operações ou habilidades têm relação entre si observando como as pessoas se saem ao executar, simultaneamente, duas atividades, que podem ou não, pertencer a um mesmo domínio de inteligência. Se uma não interfere com a outra, os pesquisadores podem presumir que as atividades usam capacidades mentais e cerebrais distintas;
• Apoio de descobertas psicométricas, na medida em que informações daí obtidas aumentaram as provas a favor das inteligências múltiplas.

4.3 As Oito Inteligências

Gardner (1994, et al. 1998, 2000) dimensionou em sua Teoria, a existência de oito inteligências, de acordo com a Figura 4, que tratariam dos domínios de resoluções dos possíveis problemas inerentes às pessoas, configuradas dentro dos critérios pré-estabelecidos. São elas: a inteligência cinestésico corporal, a inteligência verbal lingüística, a inteligência lógico-matemática, a inteligência musical, a inteligência espacial, a inteligência naturalista, a inteligência interpessoal e a inteligência intrapessoal. Estudos do autor indicam para a existência de outras possíveis inteligências adicionais, como a inteligência espiritual e a inteligência existencial.
Dentro dos objetivos, inicialmente propostos em nossos estudos, delimitamos a estruturação deste estudo em Pedagogia do Esporte de acordo com as oito inteligências, propostas e fundamentadas na Teoria das Inteligências Múltiplas desenvolvida por Gardner (1994, 1995, et al. 1998, 2000), seguindo-se as definições, identificação de domínios, características e seus exemplos exponenciais.

FIGURA 4 – Representação esquemática das inteligências múltiplas a partir da Teoria de Gardner (2000)

Ao final da exposição dos domínios de cada inteligência, apresentam-se as características que podem ser manifestas nos Jogos Desportivos Coletivos, em práticas de treinamento ou em jogos, com base nas observações de Campbell et al. (2000). Os referidos autores desenvolvem estudos com a aplicação da Teoria das Inteligências Múltiplas na área da educação formal.

4.3.1 A Inteligência Corporal Cinestésica

A inteligência corporal cinestésica acarreta o potencial de usar o corpo, ou partes dele, para resolver problemas ou fabricar produtos. É a capacidade de trabalhar com objetos de forma hábil, tanto os que envolvem movimentos motores finos dos dedos e mãos quanto os que exploram movimentos motores grosseiros do corpo. Constitui-se em centro da inteligência corporal: controlar os movimentos corporais e capacidade de manusear objetos com habilidade. Outra característica desta inteligência é a capacidade de usar o próprio corpo de maneiras altamente diferenciadas e hábeis para propósitos expressivos, assim como voltados a objetivos. A relação com o substrato do Esporte, que é o movimento, é direta.
Dançarinos, atores e atletas põem em primeiro plano a inteligência corporal cinestésica. Esta forma de inteligência é de relativa importância também para artesãos, cirurgiões, cientistas, mecânicos e outros profissionais de atuação técnica, que exibem habilidade com o corpo ou segmentos dele.
A evolução, dos movimentos especializados de corpo, é uma vantagem óbvia para as espécies, e nos seres humanos esta adaptação é ampliada por meio do uso de ferramentas. O movimento corporal passa por um programa de desenvolvimento claramente definido nas crianças. E não há dúvida de sua universalidade entre as culturas. Assim, parece que o conhecimento corporal cinestésico satisfaz os critérios de uma inteligência.
A capacidade de usar o próprio corpo para expressar uma emoção (dança), jogar um jogo (esporte) ou criar um novo produto constitui-se em evidência dos aspectos cognitivos do uso do corpo.
Campbell et al. (2000) colocam que muitos precisam experimentar fisicamente o que se aprende. Dependem de processos táteis ou cinestésicos e precisam manipular ou experimentar o que aprendem para compreender e reter as informações. Aprendem executando as tarefas e por meio de experiências multi sensoriais.
A partir da dicotomia entre mente e corpo, o conceito desta inteligência busca uni-los para o desempenho físico adequado. A inteligência cinestésico corporal é base do conhecimento humano, pois é por meio de nossas experiências sensório-motoras que experimentamos a vida (Campbell et al., 2000).
Nas possíveis manifestações da inteligência corporal cinestésica, características para os Jogos Desportivos Coletivos, temos que o indivíduo:

• Explora o ambiente de jogo com o corpo em movimento, usando do toque, manejo e manipulação de implementos como a bola de jogo;
• Aprende de forma melhorada por meio da execução pelo movimento aquilo que se deseja ensinar;
• Motiva-se por participação em jogos;
• Manifesta habilidade esportiva geral;
• Demonstra equilíbrio, graça, destreza e precisão nas tarefas físicas;
• É sensível à integração corpo e mente;
• Compreende e busca padrões compatíveis de saúde com a atividade esportiva;
• Busca novas abordagens para habilidades em movimentos.


4.3.2 A Inteligência Verbal Lingüística

A Inteligência Verbal Lingüística envolve a sensibilidade para a língua falada e a escrita, e a habilidade para aprender línguas bem como a capacidade de se utilizar a linguagem para atingir certos objetivos. Como inteligência e competência intelectual mais compartilhadas na espécie humana, exerce também papel importante na explicação. Grande parte do ensino e da aprendizagem ocorre através da linguagem, na utilização de metáforas, cruciais para lançar e explicar um novo desenvolvimento científico.
Gardner (1994) determina que a inteligência lingüística permite denotar sensibilidade à ordem entre as palavras, capacidade de seguir regras gramaticais, e em ocasiões selecionadas, violá-las. Em nível mais sensorial, indica para a sensibilidade aos sons, ritmos, inflexões das palavras e sensibilidade às diferentes funções da linguagem. Evoca o potencial da linguagem para entusiasmar, convencer, estimular, transmitir informações ou simplesmente agradar.
O uso das palavras para comunicar e documentar, para expressar emoções fortes, proporcionar música aos sons, distingue os seres humanos de outros animais, oferecendo assim possibilidades para explorar e expandir a inteligência humana (Campbell et al., 2000).
Gardner (1994) indica para alguns aspectos do conhecimento lingüístico, importante para o desenvolvimento humano:

• capacidade de usar a linguagem para convencer outros indivíduos a respeito de um curso de ação;
• potencial mnemônico da linguagem, capacidade de usar esta ferramenta para lembrar de informações (nos esportes, as regras, ações táticas e estratégias);
• linguagem para explicar suas próprias atividades, na análise metalingüística, por meio disso direcionando o emissor a refletir sobre um uso anterior da linguagem. P. ex. “o que é que você quer dizer com isso?”
Para Campbell et al. (2000), expressar idéias verbalmente é um importante exercício metacognitivo, pois com freqüência é escutando-nos falar ou lendo o que escrevemos que conseguimos conexões profundas sobre o que pensamos e sabemos. Assim, indica que a autoconfiança de quem aprende aumenta quando o indivíduo se posiciona, a fim de defender suas posições nas discussões e nos debates.
Características que podem ser encontradas em indivíduos com inteligência lingüística bem desenvolvida, dentro dos Jogos Desportivos Coletivos:

• Recebe por meio da transmissão de ordens verbais, instruções de aprendizagem técnica ou de estratégias e táticas, e codificando-as, recorda-se do que foi dito;
• Interpreta as instruções e orientações do técnico ou professor;
• Fala, em momentos adequados, com os companheiros de equipe durante uma partida, transmitindo ordens e instruções de forma eficiente;
• Usa a escuta e a fala para refletir sobre orientações verbalizadas, oralmente ou escritas, do técnico ou professor.

4.3.3. A Inteligência Lógico-Matemática

A Inteligência Lógico-Matemática envolve a capacidade de analisar problemas com lógica, de realizar operações matemáticas e investigar questões cientificamente. Os matemáticos, os lógicos e os cientistas exploram a inteligência lógico-matemática. Para Gardner (1995), a inteligência lógico-matemática é o arquétipo da “inteligência pura”. Em seu domínio, o processo de solução de problemas é significativamente rápido, pois o indivíduo lida com muitas variáveis ao mesmo tempo.
Campbell et al. (2000) apontam para os vários componentes deste tipo de inteligência, dentre eles o cálculo matemático, o raciocínio lógico, a resolução de problemas, raciocínio dedutivo e indutivo, discernimento de padrões e relacionamentos. No centro da capacidade matemática está a capacidade de reconhecer e resolver problemas.
Tem soluções não verbais, pois podem ser construídas antes de verbalizadas. O processo de solução pode ser invisível, inclusive para quem resolve o problema. É a principal base para diversos tipos de testes de inteligência. O desenvolvimento deste tipo de inteligência foi cuidadosamente estudado por Piaget e outros psicólogos.
Características relativas à inteligência lógico-matemática dos indivíduos que têm esse tipo de inteligência bem desenvolvida dentro do ambiente de JDC:
• Reconhecer nos objetos e equipamentos do ambiente de treinamento ou competição, as funções que lhe cabem;
• Familiaridade com os conceitos de tempo de jogo, aspectos de causa e efeito relacionados a regras e regulamentos do jogo e da competição;
• Compreensão da contagem diversificada referente às finalizações;
• Compreensão de diagramas, símbolos e códigos utilizados pelo técnico ou professor na orientação de táticas e estratégias;
• Percepção de padrões de relacionamentos dentro do ambiente de treinamentos e jogos;
• Interpretação e compreensão de estatísticas e gráficos de jogo.

4.3.4 A Inteligência Musical

A Inteligência musical, com estrutura quase paralela à da inteligência lingüística, acarreta habilidade na atuação, na composição e na apreciação de padrões musicais. Evidências de várias culturas apóiam a noção de que a música é uma faculdade universal, tendo na sua notação um sistema simbólico acessível e lúcido, sendo que a capacidade musical emerge mais cedo do que outros talentos em outras áreas da inteligência humana.
Campbell et al. (2000) indicam que a música é uma das mais antigas formas de arte, a qual utiliza a voz humana e o corpo como instrumentos naturais e meios de auto-expressão. Referindo-se aos ritmos, o autor coloca que vivemos com os ritmos do nosso próprio batimento cardíaco e da nossa respiração, e também com os ritmos sutis da atividade metabólica e das ondas cerebrais. A inteligência musical envolve suas próprias regras e estruturas de pensamento, não necessariamente vinculados a outros tipos de inteligência.
Devido à forte conexão entre a música e as emoções, a música pode ajudar a criar um ambiente emocional positivo que desencadeie a aprendizagem (Campbell et al., 2000).
Características de quem tem a inteligência musical bem desenvolvida nos Jogos Desportivos Coletivos:

• Respostas variadas aos sons dirigidos do ambiente, como exemplo, os provocados pela platéia, em manifestações favoráveis ou contrárias ao indivíduo ou à equipe;
• Reação cinestésica à música executada em locais de competição, demonstrando ritmo na execução de fundamentos do jogo, reagindo com emoções de forma positiva ou negativa.

4.3.5 A Inteligência Espacial

Gardner (2000) coloca que a Inteligência Espacial tem o potencial de reconhecer e manipular os padrões do espaço (aqueles usados, p. ex., por navegadores e pilotos), bem como os padrões de áreas mais confinadas, como os que são importantes para escultores, cirurgiões, jogadores de xadrez, artistas gráficos ou arquitetos As muitas maneiras como a inteligência espacial é desenvolvida em diferentes culturas, mostram claramente como um potencial biopsicológico pode ser aproveitado por campos que evoluíram para vários propósitos.
A solução de problemas espaciais é necessária na navegação, na utilização e entendimento de mapas. Outros tipos de solução de problemas espaciais são convocados, quando visualizamos um objeto de um ângulo diferente. As artes visuais também utilizam esta inteligência no uso do espaço.
Para Campbell et al. (2000), a inteligência espacial, que também pode ser chamada de visual espacial, inclui uma série de habilidades relacionadas, como discriminação visual, reconhecimento, projeção, imagens mentais, raciocínio espacial, manipulação de imagens, duplicação de imagens externas e internas. Indicam, também, que embora a visualização seja fundamental para a inteligência espacial, não está diretamente relacionada à visão, e na verdade, pode ser extremamente desenvolvida nos cegos.
Centrais à inteligência espacial estão as capacidades de perceber o mundo visual com precisão, efetuar transformações e modificações sobre as percepções iniciais e ser capaz de recriar aspectos da experiência visual, mesmo na ausência de estímulos físicos relevantes, surgindo como uma síntese de capacidades. As capacidades espaciais podem produzir-se em campos diferentes. São importantes para a orientação em várias localidades, desde aposentos até oceanos. Servem para o reconhecimento de objetos e cenas, tanto quanto estes são encontrados em seus ambientes originais como quando alguma circunstância da sua apresentação original foi alterada. Também são utilizadas quando trabalhamos com representações gráficas – versões bidimensionais de cenas do mundo real, bem como outros símbolos como mapas, diagramas ou formas geométricas (Gardner, 1994).
Uma pessoa com inteligência espacial bem desenvolvida pode apresentar as seguintes características nos Jogos Desportivos coletivos:

• Visualização por meio de imagens mentais das orientações da técnica, de táticas e estratégias de situações treinadas, bem como de seus detalhes;
• Utilização das imagens visuais das situações vividas em treinamento, para recordar informações;
• Interpretação de gráficos, tabelas e esquemas táticos representados;
• Visualização espacial das movimentações possíveis dos esquemas táticos de forma tridimensional e suas conseqüentes reorganizações no espaço;
• Percepção de padrões sutis e óbvios, na formação tática;
• Aprendizagem através da visão e observação de outros modelos de execução técnica ou tática, de indivíduos presentes no ambiente esportivo ou através de imagens gravadas;
• Movimentação do seu eu pelos espaços possíveis em um esquema tático, em sua equipe e em relação ao adversário.

4.3.6 A Inteligência Interpessoal

A inteligência interpessoal compreende a capacidade de entender as intenções, as motivações e os desejos do próximo, e conseqüentemente, de trabalhar de modo eficiente com terceiros. Vendedores, professores, líderes religiosos, políticos e atores manifestam inteligência interpessoal bem desenvolvida. Ela está baseada na capacidade de perceber distinções entre os outros, em especial contrastes em seus estados de ânimo, temperamentos, motivações, intenções.
Para Campbell et al. (2000), a inteligência interpessoal permite compreender as outras pessoas e a comunicação com elas, na medida em que se observam diferenças no humor, no temperamento, nas motivações e nas habilidades. Inclui a capacidade para formar e manter relacionamentos, para assumir diversos papéis dentro de um grupo como membro ou líder, sendo esta inteligência evidente naqueles com habilidades sociais aprimoradas. Os indivíduos que demonstram um compromisso autêntico em relação às outras pessoas e a capacidade para melhorar a vida do outro, exibem uma inteligência interpessoal positivamente desenvolvida. Daí tem-se que a necessidade de coesão, liderança, organização, solidariedade em grupos decorre naturalmente da relativa importância da interação social para os indivíduos.
De acordo com Gardner (1994), toda cultura gera também um senso maduro da pessoa que envolverá algum equilíbrio entre fatores pessoais e interpessoais. Assim, decorre da natural evolução do conhecimento intrapessoal o senso de “eu” como uma capacidade emergente.
Nas possíveis manifestações da inteligência interpessoal no ambiente dos Jogos Desportivos Coletivos, tem-se:
• Interação com os companheiros de equipe;
• Manutenção dos relacionamentos em equipe e formação de novos relacionamentos em diferentes vias de acesso aos companheiros de equipe;
• Participação nas ações coletivas da equipe, tomando o espírito coletivo como conceito de jogo;
• Influência nas ações dos companheiros de equipe, de forma construtiva;
• Compreensão e comunicação de diversas formas em diferentes vias de acesso, durante um jogo, de modo a se fazer entender;
• Habilidade na mediação de conflitos entre os companheiros de equipe.

4.3.7 A Inteligência Intrapessoal

Delimitando o domínio da inteligência intrapessoal, Gardner (2000) afirma que esta inteligência envolve a capacidade de a pessoa se conhecer, de ter um modelo individual de trabalho eficiente incluindo aí os próprios desejos, medos e capacidades e de usar estas informações com eficiência para regular a própria vida. Campbell et al. (2000) colocam que no cerne de nosso mundo interior estão as forças em que nos apoiamos para compreender a nós mesmos e as outras pessoas, para imaginar, planejar, resolver problemas. Lá estão também qualidades como motivação, determinação, ética, integridade, empatia, altruísmo. Para o mesmo autor, a inteligência intrapessoal inclui nossos pensamentos e sentimentos. Quanto mais pudermos trazê-la à consciência, melhor poderemos relacionar nosso mundo interior com o mundo exterior da experiência.
Gardner (1995) indica que a inteligência intrapessoal trata do conhecimento dos aspectos internos de uma pessoa, ou o acesso ao sentimento da própria vida, à gama das próprias emoções, à capacidade de discriminar essas emoções e eventualmente rotulá-las e utilizá-las como uma maneira de entender e orientar o próprio comportamento. A pessoa com a inteligência intrapessoal desenvolvida possui um modelo viável e efetivo de si mesma. O autor postula que as evidências evolutivas da faculdade intrapessoal são mais difíceis de encontrar, porém coloca que a capacidade de transcender à satisfação dos impulsos instintivos é relevante.
Das características, que uma pessoa com inteligência intrapessoal bem desenvolvida pode apresentar nos Jogos Desportivos Coletivos, tem-se:

• Demonstração de motivação em realizar tarefas em treinamento e jogos;
• Tentativas de compreensão das suas experiências internas;
• Consciência e controle das emoções presentes durante o jogo ou em competição;
• Expressão e consciência de sentimentos;
• Motivação na luta por alcançar objetivos pessoais específicos aos treinamentos, como a melhoria de determinada técnica ou de conquistas em desempenho individual em jogos;
• Equilíbrio de emoções em momentos de pressão psicológica, como em jogos decisivos ou momentos decisivos durante jogos;
• Modelo e sistema de valores, demonstrando comportamentos éticos e construtivos para a equipe em treinamentos e jogos.

4.3.8 A Inteligência Naturalista

Este tipo de inteligência, segundo Gardner (2000), refere-se ao conhecimento sobre o mundo vivo, incluindo a classificação de diversas espécies, identificando-as e reconhecendo a existência de outras; relacionamentos com seres ou objetos, interação com espécies animais, sintonia com o mundo dos organismos, usando essas capacidades de maneira produtiva. Essa inteligência é encontrada em naturalistas, biólogos, botânicos, geógrafos, paisagistas, jardineiros. As habilidades manifestas por pessoas que a têm bem desenvolvida de observar, classificar e categorizar, também podem ser aplicadas a objetos artificiais. Essa habilidade é exibida pelas crianças quando classificam pequenas coleções, como figuras de esportes, selos, moedas, de acordo com critérios por elas estabelecidos. O desenvolvimento desta inteligência independe da interação direta com o mundo natural, assim como da observação visual, sendo possível a utilização de todos os sentidos para a discriminação de elementos e conseqüentes estímulos.
Das características manifestas, de inteligência naturalista pelos indivíduos no ambiente dos Jogos Desportivos Coletivos, temos:

• Interesse pelo ciclo de transformações que o exercício dos jogos pode provocar no organismo;
• Observação do ambiente com interesse e curiosidade;
• Capacidade de entender as diferenças de desempenho nos exercícios entre os participantes das atividades;
• Busca do entendimento do funcionamento do organismo nas atividades de treinamentos e jogos;
• Percepção das relações de interdependência entre os participantes do sistema formado nos JDC.

Apontando para essa abordagem diferenciada de Inteligência, busca-se integrar essa visão às idéias desenvolvidas nas considerações sobre os Jogos Desportivos Coletivos, no enfoque sobre conhecimentos do Treinamento Infantil e possíveis conseqüências. Desta forma, estruturamos os pilares para a apresentação de uma proposta em Pedagogia do Esporte, que dentro do seu caráter evolucionário, procura buscar e otimizar a aprendizagem dos Jogos Desportivos Coletivos. Ampliam-se, assim, os limites da participação de quem joga e aprende, tendo como bases, exploração e estimulação das inteligências aqui apresentadas, de acordo com a Teoria das Inteligências Múltiplas.

REFERÊNCIAS

CAMPBELL, L. et al. Ensino e aprendizagem por meio das inteligências múltiplas. 2.ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
GARDNER, H. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994.
_______. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
_______. A nova ciência da mente: uma história da revolução cognitiva. São Paulo: EDUSP, 1996.
______. Inteligências: um conceito reformulado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.
______. , KORNHABER, M. L. ; WAKE, W. K. Inteligências: múltiplas perspectivas. Porto Alegre: Art Med, 1998.
CARACTERIZAÇÃO DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS
INTELIGÊNCIA DESCRIÇÃO RELAÇÃO COM OUTRAS EXEMPLOS PESSOAIS HABILIDADES AGENTES
Lingüística (hemisfério esquerdo. Vocabulário: lobo frontal, acima do lobo temporal. Linguagem: lobo temporal) Capacidade de processar rapidamente mensagens lingüísticas, de ordenar palavras e de dar sentido lúcido às mensagens. Relaciona-se com todas as demais e, particularmente, com a lógico-matemática e a cinestésica corporal. Shakespeare, Dante Alighieri, Cervantes, Dostoiévski, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Cartola, Adoniran Barbosa, Vinicius de Moraes, escritores, radialistas, advogados e, principalmente poetas. Descrever
Narrar
Observar
Comparar
Relatar
Avaliar
Concluir
Sintetizar Pais
Avós
Professores
Amigos
Lógico-matemática (Lobos frontais e parietais esquerdos) Facilidade para o cálculo e para a percepção da geometria espacial. Prazer específico em resolver problemas embutidos em palavras cruzadas, charadas ou problemas lógicos como os do tangram, dos jogos de gamão e xadrez Inteligência língüística, espacial, cinestésica, corporal e principalmente inteligência musical Euclides, Pitágoras, Newton, Bertrand Russel, Einstein, engenheiros, físicos, arquitetos e mestres de obras Enumerar
Seriar
Deduzir
Medir
Comparar
Concluir
Provar Pais
Professores especificamente
treinados
Espacial (Hemisfério direito) Capacidade de perceber formas e objetos mesmo quando apresentados em ângulos não usuais, capacidade de perceber o mundo visual comprecisão, de efetuar transformações sobre as percepções, de imaginar movimento ou deslocamento interno entre as partes de uma configuração, de recriar aspectos da experiência visual e de perceber as direções no espaço concreto e abstrato. Com todas as demais, especialmente a lingüística, a musical e a cinestésica corporal Ray Bradbury, Isaac Assimov, Karl Marx, Picasso, Darwin, Dalton, Chico Buarque de Holanda, escritores de ficção, exploradores, geógrafos, marinheiros, artistas abstracionistas Localizar no espaço
Localizar no tempo
Comparar Observar
Deduzir
Relatar
Combinar
Transferir Pais
Professores
Alfabetizadores lingüísticos
e cartográficos
Musical (Hemisfério direito, lobo frontal) Facilidade para identificar sons diferentes, perceber nuanças em sua intensidade e direcionalidade. Reconhecer sons naturais e, na música, perceber a distinção entre tom, melodia, ritmo, timbre e freqüência. Isolar sons em agrupamentos musicais. Mais intensamente com a lógico-matemática e com as inteligências pictórica e cinestésica corporal Beethoven, Chopin, Brahns, Schubert, Tchaikóvski, Carlos Gomes, Villa-Lobos, Tom Jobim, Cartola, Caetano Veloso, Paulinho da Viola, Compositores, poetas, naturalistas Observar
Identificar
Relatar
Reproduzir
Conceituar
Combinar Pais
Avós
Professores
devidamente sensibilizados
Cinestésica corporal (Hemisfério esquerdo) Capacidade de usar o próprio corpo de maneira diferenciada e hábil para propósitos expressivos. Capacidade de trabalhar com objetos, tanto os que envolvem motricidade específica quanto os que exploram uso integral do corpo. Principalmente com as inteligências lingüística, espacial epictórica. Nijinsky, Nureyev, Pelé, Garrincha, Magic Johnson, mímicos, bailarinos, atletas e também concertistas, cirurgiões e muitos outros. Comparar
Medir
Relatar
Transferir
Demonstrar
Interagir
Sintetizar
Interpretar
Classificar Instrutores de dança e esportes
Pais
Professores
Pictórica (Hemisfério direito) Capacidade de expressão por traço, desenho ou caricatura. Sensibilidade para dar movimento e beleza a desenhos e pinturas, autonomia para captar e retransmitir as cores da natureza, movimentar-se com facilidade em diferentes níveis de computação gráfica Inteligência lingüística, espacial, cinestésica corporal, mas principalmente inteligência musical. Giotto, Botticelli, Rafael, Leonardo da Vinci, Michelângelo, Portinari, Tarsila do Amaral, Bill Anderson, cartunistas, pintores, ilustradores, especialistas em computação gráfica. Observar
Refletir
Reproduzir
Transferir
Criticar
Concluir Pais
Professores
especificamente preparados
Naturalista (Hemisfério direito, presumivelmente) Atração pelo mundo natural e sensibilidade em relação a ele, capacidade de indentificação da linguagem natural e capacidade de êxtase diante da paisagem humanizada ou não. Com todas as demais, especificamente com as inteligências lingüística, musical e espacial Darwin, Hamboldt, La Condamine, Mendel, Ruschi, Noel Nutels, Villas-Boas, Burle Marx, naturalistas, botâmicos, geógrafos e paisagistas Avós
Pais
Professores
Pessoais Inter e Intrapessoal (Lobos frontais) Interpessoal – capacidade de perceber e compreender outras pessoas, descobrir as forças que as motivam e sentir grande empatia pelo outro indistinto.
Intrapessoal – capacidade de auto-estima, automotivação, de formação de um modelo coerente e verídico de si mesmo e do uso desse modelo para operacionalizar a construção da felicidade pessoal e social As inteligências pessoais interagem e relacionam-se com todas as demais, particularmente, com a lingüística, a naturalista e a cinestésica corporal Proust, Gandhi, Freud, Anne Sullivan, Adler, Joana D’Arc, Martin Luther King, Antônio Conselheiro, Padre Cícero, pessoas reconhecidas como “carismáticas”, políticos, líderes religiosos, psicoterapeutas e psicólogos, assistentes sociais Interagir
Perceber
Relacionar-se com empatia
Apresentar auto-estima e autoconhecimento
Ser ético Pais
Psicólogos
Professores devidamente treinados











MOTIVAÇÃO
(Perspectiva da Psicologia da Educação)

A motivação continua sendo um complexo tema para a Psicologia e, particularmente, para as teorias de aprendizagem e ensino. Atribuímos à motivação tanto a facilidade quanto a dificuldade para aprender. Atribuímos às condições motivadoras o sucesso ou o fracasso dos professores ao tentar ensinar algo a seus alunos. E, apesar de dificilmente detectarmos o motivo que subjaz a algum tipo de comportamento, sabemos que sempre há algum.
O estudo da motivação considera três tipos de variáveis:

1. O ambiente;
2. As forças internar ao indivíduo, como necessidade, desejo, vontade, interesse, impulso, instinto;
3. O objeto que atrai o indivíduo por ser fonte de satisfação da força interna que o mobiliza.

A motivação é, portanto, o processo que mobiliza o organismo para a ação, a partir de uma relação estabelecida entre o ambiente, a necessidade e o objeto de satisfação. Isso significa que, na base da motivação, está sempre um organismo que apresenta uma necessidade, um desejo, uma intenção, um interesse, uma vontade ou uma predisposição para agir. Na motivação está também incluído o ambiente que estimula o organismo e que oferece o objeto de satisfação. E, por fim, na motivação está incluído o objeto que aparece como a possibilidade da satisfação da necessidade.
A gíria possui um termo bastante apropriado para significação de motivação: “estar a fim”. Quando dizemos “estamos a fim de”, estamos expressando nossa motivação. E vejamos num exemplo: “Estou a fim de ler este livro todo” – o livro aparece como o elemento do ambiente que satisfará minha necessidade ou desejo de conhecer um pouco de Psicologia. O próprio ambiente, de alguma forma, gerou em mim este interesse, ou porque li outros livros que falavam do assunto, ou porque meu colega citou a Psicologia como ciência interessante, ou porque vi uma psicóloga em um filme e me interessei. Ambiente – organismo – interesse ou necessidade – objeto de satisfação. Está montada a cadeia da motivação.
Retomando, podemos dizer que a motivação é um processo que relaciona necessidade, ambiente e objeto, e que predispõe o organismo para a ação em busca da satisfação da necessidade. E, quando esse objeto não é encontrado, falamos em frustração.

Motivação e o Processo Ensino-Aprendizagem

A motivação está presente com processo em todas as esferas de nossa vida – no trabalho, no lazer, na escola.
A preocupação do ensino tem sido a de criar condições tais, que o aluno “fique a fim” de aprender. Sem dúvida, não é fácil, pois acabamos de dizer que precisa haver uma necessidade ou desejo, e o objeto precisa surgir como solução para a necessidade. Duplo desafio: criar a necessidade a apresentar um objeto adequado para a satisfação.
Resolver este problema é, sem dúvida, a tarefa mais difícil que o professor enfrenta. Consideraremos abaixo alguns pontos:
a. Uma possibilidade é que o trabalho educacional parta sempre das necessidades que o aluno já traz, introduzindo ou associando a elas outros conteúdos ou motivos;
b. Outra possibilidade, não excludente, é criar outros interesses no aluno.

E como podemos pensar em criar interesse?

1. Propiciando a descoberta. Bruner é defensor desta proposta. O aluno deve ser desafiado, para que deseje saber, e uma forma de criar este interesse é dar a ele a possibilidade de descobrir.
2. Desenvolver nos alunos uma atitude de investigação, uma atitude que garanta o desejo mais duradouro de saber, de querer saber sempre. Desejar saber deve passar a ser um estilo de vida. Essa atitude pode ser desenvolvida com atividades muito simples, que começam pelo incentivo à observação da realidade próxima ao aluno – sua vida cotidiana - , os objetos que fazem parte de seu mundo físico e social. Essas observações sistematizadas vão gerar dúvidas (por que as coisas são como são?) e aí é preciso investigar, descobrir.
3. Falar ao aluno sempre uma linguagem acessível, de fácil compreensão.
4. Os exercícios e tarefas deverão ter um grau adequado de complexidade. Tarefas muito difíceis, que geram fracasso, e tarefas fáceis, que não desafiam, levam à perda do interesse. O aluno não “fica a fim”.
5. Compreender a utilidade do que se está aprendendo é também fundamental. Não é difícil para o professor estar sempre retomando em suas aulas a importância e utilidade que o conhecimento tem e poderá ter para o aluno. Somos sempre “a fim” de aprender coisas que são úteis e têm sentido para nossa vida.

Extraído de: BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia.13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

MOTIVAÇÃO E APRENDIZAGEM

A motivação para aprender nada mais é que o reconhecimento, pelo indivíduo, de que conhecer algo irá satisfazer suas necessidades atuais ou futuras. Ela também pode ser encarada como um processo psicológico em construção. A motivação humana deve ser compreendida na relação entre os aspectos cognitivos e afetivos da personalidade, ambos largamente dependentes do meio social. A motivação está ligada à autoconsciência do indivíduo (seus ideais, seus projetos, sua visão de mundo) e também os aspectos inconscientes de sua personalidade. Pode-se, assim, dizer que uma pessoa motivada para aprender constrói o conhecimento mais prontamente do que uma sem motivação. Na base da motivação encontram-se tantas razões de ordem geral como aquelas de natureza específica: vontade de aprender, necessidade de realizar-se, desejo de receber determinada recompensa ou de evitar certa punição.
Naturalmente, a aprendizagem controlada por recompensas – obter satisfação pessoal ou elogios da professora – é preferível àquela realizada apenas para não receber castigos dos pais, para não repetir de ano, ou para evitar “pitos” da professora. De igual modo, aprende-se melhor quando se espera alcançar sucesso do que quando se tem expectativa do fracasso. Neste último caso, a criança não investe energia suficiente para poder realizar adequadamente a tarefa.
Um dos trabalhos mais importantes a serem desenvolvidos pelo professor junto aos seus alunos é, portanto, motivá-los. Não se trata aqui, apenas de incentivá-los com elogios ao desempenho. Ao contrário, o bom professor procura fazer com que o processo de aprendizagem seja motivador em si mesmo: as crianças devem ser levadas a coloca toda a sua energia para enfrentar o desafio intelectual que a escolha lhes coloca. O prazer vem, assim, da própria aprendizagem, do sentimento de competência pessoal, da segurança de ser hábil para resolver problemas.
Convém ressaltar que o trabalho intelectual feito sobre materiais ou conteúdos significativos é sempre mais produtivo do que aquele envolvendo conteúdos ou materiais sem nenhuma significação para quem aprende. Novamente, entra aqui o papel do professor. Cabe-lhe explicar à classe o que vai ser estudado, por que razões e com quais finalidades. Se houver compreensão a respeito da importância de determinada tarefa, ela passa a adquirir significação e a atividade intelectual se agiliza.

Extraído de: Davis, Claudia; OLIVEIRA, Zilma. 1994. Psicologia na Educação. 2ª Ed. São Paulo: Cortez.
















































MOTIVAÇÃO
(PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA DO ESPORTE)

Motivação: uma introdução ao problema

O estudo da motivação é de suma importância para o entendimento de diversas ocorrências que envolvem e compõem a prática esportiva, seja com crianças, jovens ou adultos. Ela apresenta-se em qualquer tipo de prática esportiva, independendo, inclusive, do nível de habilidade em que se encontram seus praticantes (iniciação/aprendizagem, treinamento ou lazer). Está presente inclusive no ambiente escolar, no qual há a interação de todos os níveis de habilidade.
Destarte, em se tratando de esporte de alto nível, o entendimento e utilização dos processos motivacionais são de extrema importância para professores e técnicos (Cozzani e cols., 1997), pois eles serão os responsáveis pela instrução tanto dos atletas, quanto dos pais, que, além de influir diretamente na personalidade dos filhos, são componentes ativos da torcida, tornando-se uma potencial fonte de influencia e referência para os filhos.
Porém, o entendimento dos processos motivacionais esbarra na grande quantidade de estudos que versam sobre este tema, dificultando a obtenção de respostas. Respostas de que tanto técnicos, quanto professores necessitam para atuar de maneira correta com seus pupilos, fazendo com que produzam tudo aquilo que podem e, acima de tudo, sintam-se bem durante este processo, que exigirá muita dedicação e muitas horas de trabalho.

Na relação ensino-aprendizagem, em qualquer ambiente, conteúdo ou momento, a motivação constitui-se um dos elementos centrais para sua execução bem sucedida. Pode-se supor que sem motivação não há comportamento humano ou animal” (Gouveia, 1997, p. 167).

O autor considera a relação ensino-aprendizagem, porém acredita-se que qualquer relação interpessoal ou intrapessoal é motivada por algo. Aliás, como é salientado, todo o comportamento, seja ele qual for, independente do objetivo, é motivado por alguma e para alguma coisa. Assim, pode-se afirmar que a motivação é o combustível de toda ação humana.

A origem da motivação

Não se pode pensar em motivação sem lembrar do motivo, que é a base do processo motivacional. O motivo é a mola propulsora responsável pelo início e manutenção de qualquer atividade executada pelo ser humano. Portanto, deve-se considerá-lo como a peça fundamental e também aquela que origina todo o complexo processo motivacional.
Gouvêa (1997) acredita que os motivos são inerentes aos seres humanos. Assim, ele define o motivo como “um fator interno, que dá início, dirige e integra o comportamento de uma pessoa” (167). Através deste pensamento, a pessoa terá um impulso, que iniciará a ação, e a motivação, que permanecerá durante a execução e acabará logo que o objetivo pessoal, para aquela atividade, for atingido.
Porém, cada motivo apresentará uma força distinta, devido à diferença de personalidade existente entre cada indivíduo (Rodrigues, 1991). Essa diferença fará com que um indivíduo sinta-se mais motivado do que outro, diante de uma mesma situação.
Para Machado (1995) e Gouvêa (1997), o motive não se divide. Ele conduz o indivíduo a ação e, dependendo de usa intensidade, mantém o indivíduo nesta ação até a sua conclusão. Assim, a manutenção da prática dependerá da intensidade do motivo. O processo de iniciação e manutenção aumentará ou diminuirá concomitantemente com o motivo em questão.
O motivo, por todos os autores, é considerado como característica comum do ser humano, apresentando variação “situacional” e “pessoal”, isto é, varia de situação para situação em uma mesma pessoa, e de pessoa para pessoa em uma mesma situação. Porém, apesar de ser considerado inerente, não se deve descartar a hipótese da influência externa sobre este motivo. Essa hipótese baseia-se na grande quantidade de fatores ambientais, resultantes da experiência de vida, e da necessidade de socializar-se que todo indivíduo possui.

“A motivação no esporte depende da estrutura da personalidade do atleta, sobretudo de como e em que medida se convertem algumas necessidade esportivas relevantes em alguma característica de estrutura deste indivíduo” (Machado, 1996).

Corroborando com Machado (1996), De Marco e Junqueira (1993) também acreditam que a motivação é a resultante da combinação entre: as possibilidades de atuação e as vivências dentro dos esportes, com as características motivacionais próprias de cada tipo de personalidade. Resumindo, ela é o resultado da interação entre o efeito ambiental (a situação, o contexto no qual o atleta está inserido) e os traços de personalidade que o atleta possui.
Campos (citado por Gouvêa, 1997) acredita que a motivação depende do meio ambiente e dos aspectos cognitivos. Assim, todos os fatos ocorridos no ambiente e vivenciados são armazenados e analisados pelo indivíduo, para moldar seu comportamento, interferindo em suas relações posteriores com o meio.

Conceituando a motivação

Singer (1982) define motivação como a insistência em perseguir um objetivo. Concorda que há estímulos externos, como troféus, e estímulos internos, como a vontade de auto-realização, de obter sucesso. Esse processo ocorre em qualquer situação dentro do esporte, seja durante a aprendizagem ou o treinamento.
Para Pfromm Neto (citado por Gouvêa, 1997), a motivação é um estado emocional que leva o indivíduo a interessar-se por algo e/ou a praticar algo, mobilizando forças para atingir seus objetivos. Sendo assim, a motivação inicia, direciona e mantém seu curso em direção às suas finalidades.
Singer (1982) também vê a motivação como a responsável pela iniciação e manutenção de um indivíduo em uma atividade, buscando atingir um objetivo previamente estabelecido. Reconhece também que existem determinadas situações que motivam um maior número de pessoas, em detrimento de outras que dependerão da personalidade de cada um.
Pela minha compreensão, a torcida em geral é responsável por este segundo momento, no qual o atleta buscará motivação para sua atuação, antes, durante e depois do jogo. Porém, em se tratando da torcida familiar, devemos considerar as duas subdivisões, pois acabará por influenciar não somente na escolha, mas também na permanência e, talvez, na desistência da prática esportiva.
Diante das diversas definições para a motivação, percebe-se que todas apresentam pontos em comum, o que nos permite construir uma definição clara e objetiva e que servirá de base para este estudo. Portanto, motivação é o processo que é iniciado por um impulso, ou um motivo, o qual levará o sujeito a optar por executar algo. Após a escolha, este impulso permanecerá, mantendo o sujeito no processo até que atinja os objetivos traçados na escolha daquilo que se propôs a fazer. O processo motivacional varia de intensidade de acordo com a atividade e com os sujeitos.

Fontes de motivação

Segundo De Marco e Junqueira (1993),

as motivações dos atletas têm sido classificadas de diversas maneiras, incluindo desde as necessidades fisiológicas ou psicológicas básicas até a influência de fatores decorrentes da vida em sociedade. Além disso, as motivações pode ser resultado da natureza intrínseca da tarefa ou do prêmio, tanto social como material” (p. 89)

Segundo Cruz (1996) e Machado (1995), pode-se dividir a motivação em duas fontes: intrínseca e extrínseca. A motivação extrínseca está relacionada a prêmios, tanto materiais (dinheiro, troféus etc.), quanto não-materiais (elogios, aplausos etc.), sempre concedidos por outras pessoas, diante de um bom resultado ou pelo desempenho.
A motivação intrínseca está relacionada a fatores internos de cada indivíduo. Como exemplo “pessoas que são intrinsecamente motivadas para serem competentes e para aprenderem novas competências, que gostam de competição, ação ou excitação e que querem também divertir-se e aprender o máximo que forem capazes” (Cruz, 1996), p. 306). Este tipo de motivação está presente em toda atividade, independente de fatores externos.
A motivação extrínseca é dependente de uma gama muito ampla de recompensas, nas quais o objetivo não está apenas no prazer de executar, mas, por exemplo, de provar aos outros tudo aquilo de que é capaz de render dentro do esporte.
Além das diferentes definições, estas duas fontes motivacionais têm diferentes qualidades e defeitos que se complementam. Assim apesar de a motivação extrínseca apresentar-se menos eficiente do que a intrínseca, atualmente, este tipo de motivação não deve ser descartado, pois é devido a ele e através dele que muitas pessoas permanecem na prática esportiva, buscando, principalmente, a fama e a ascensão social.


Extraído de: MACHADO, Afonso Antonio. Psicologia do Esporte: da educação física escolar ao esporte de alto nível. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. ( p.136-146)






















LIDERANÇA


Liderança no desporto. Tentativa de simplificar um processo complexo

Luís Cid
luiscid@esdrm.pt
(Portugal)

Escola Superior de Desporto de Rio Maior.
Departamento de Psicologia e
Ciências Sociais do Desporto.


Resumo
Apesar de Murray (1991) afirmar que a liderança é um dos fenómenos menos compreendidos e que os estudos no campo desportivo são ainda escassos, Dosil (2004) considera que este processo é um dos aspectos que mais preocupa os agentes desportivos pelas implicações que possui na obtenção do rendimento desportivo. Ao longo dos tempos várias questões têm sido levantadas para as quais ainda não há uma resposta definitiva ou completamente satisfatória - O que é um líder? Quais as suas qualidades? O que o torna eficaz? Que tipo de liderança deve assumir? Que factores influenciam este processo?
Unitermos: Liderança. Psicologia do Desporto

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 103 - Diciembre de 2006



" A minha liderança toda a gente a sente,
mas ninguém a vê" (José Mourinho, 2003)

Introdução

De acordo com Murray (1991) e Dosil (2004) a liderança é um dos aspectos mais estudados no âmbito da Psicologia do Desporto, sendo um tema de grande interesse pelas implicações que tem, tanto nos desportos colectivos como nos individuais, uma vez que as relações que se estabelecem entre o treinador e atleta(s) ou no seio de um grupo-equipa são fundamentais na obtenção do rendimento desportivo (Serpa, 1990). Entre outros aspectos, Alves (2000), realça a importância deste processo como elemento fundamental para o desenvolvimento de um bom clima organizacional, que por sua vez é determinante no grau de satisfação das relações interpessoais e na eficácia do desempenho das suas tarefas.
Apesar de Murray (1991) afirmar que a liderança é um dos fenómenos menos compreendidos e que a constante procura das qualidades que conduzam a uma liderança eficaz ocupa grande parte das preocupações investigadores, os estudos no campo desportivo tem sido escassos e as suas primeiras aplicações emergiram dos modelos teóricos provenientes da psicologia organizacional (Noce, 2002).
As teorias gerais da liderança evoluíram a partir da pesquisa dos traços e qualidades do líder eficaz, até às teorias situacionais, que consideram a este factor como um processo que varia de acordo com a personalidade do líder ou as características inerentes à situação (Leitão, Serpa e Bártolo, 1995). Actualmente, os estudos têm-se centrado na análise das condutas comportamentais do treinador, assim como na preferência e percepção das mesmas por parte dos atletas, com a finalidade de identificar quais as condutas que se relacionam com a satisfação dos mesmos e que permitam alcançar boas prestações desportivas.
Ao longo dos tempos várias questões têm sido levantadas para as quais ainda não há uma resposta definitiva ou completamente satisfatória - O que é um líder? Quais as suas qualidades? O que o torna eficaz? Que tipo de liderança deve assumir? Que factores influenciam este processo? Desta forma, e numa tentativa de simplificação de um processo que é complexo, será nosso objectivo clarificar estas questões ao longo deste trabalho.

Conceito de liderança

Embora no senso comum se envolvam uma série de características para se estabelecer uma concepção teórica deste processo (normalmente associadas apenas às qualidades de um líder), a definição de liderança não é tarefa fácil (Dosil, 2004). De facto, existem tantas definições quantas os autores que tentam, dela, dar uma opinião (Jesuíno, 1996). Segundo Murray (1991), alguns autores definem a liderança como um processo de condutas, pelo meio do qual, um individuo influencia outros para que se realize o que ele quer. Na opinião do mesmo autor, ao contrário desta visão redutora, a liderança deve ser percepcionada como uma espécie de contrato psicológico que é estabelecido entre os líderes (treinadores) e os seguidores (atletas), onde os primeiros são autorizados, quer no plano formal ou informal, a decidir pelos segundos, sendo reconhecido o direito que eles têm em decidir por eles e dizer o que tem de fazer.
De acordo com Noce (2002), em toda a literatura a liderança é definida de diferentes formas, porém muitas das características são semelhantes e comuns a todas elas, o que as leva a ser aceites por diversos autores. Bass (1990), citado por Noce (2002) e Mendo e Ortiz (2003), sintetizou as definições de liderança, desenvolvendo um esquema de classificação deste processo:
• O centro do processo de grupo
• Um efeito da personalidade (do líder sobre os seguidores)
• Uma arte de induzir a submissão
• Um exercício de influência
• Um acto ou comportamento
• Uma forma de persuasão
• Uma relação de poder
• Um instrumento para alcançar objectivos
• Um processo de interacção
• Um papel diferenciado
• Uma iniciação da estrutura
• Uma combinação de elementos
Apesar de todas as definições produzidas pelos diversos autores sublinharem que a liderança implica um processo de influência entre o líder (treinador) e os seus seguidores (atletas), todos os conceitos podem ser abordado sob diversas perspectivas (Mendo e Ortiz, 2003), no entanto, Weinberg e Gould (1995), enfatizam a importância dessa influencia ser exercida em função de objectivos comuns. Desta forma, Leitão, Serpa e Bártolo (1995) e Alves (2000), consideram que a definição que melhor se pode aplicar ao desporto é a de Barrow (1977) - processo comportamental que visa influenciar os sujeitos e/ou grupos de modo a que se atinjam os objectivos determinados anteriormente.

Tipos de abordagem sobre a liderança

Há semelhança do que acontece noutros campos de estudo da psicologia, uma das discussões centrais, que tem gerado alguma controvérsia acerca da liderança, é a determinação se esta capacidade é uma característica inata ou adquirida (Dosil, 2004). Se uns defendem que ser líder faz parte da personalidade do sujeito, outros sustentam que é o contexto e a aprendizagem que converte o indivíduo. Estes pontos de vista deram origem a 3 perspectivas (Serpa, 1990, Murray, 1991, Weinberg e Gould, 1995, Cruz e Gomes, 1996 e Dosil, 2004).



Traço/Característica

Centra-se no estudo das características da personalidade dos líderes, na tentativa de encontrar os aspectos comuns que relacionem a liderança com qualquer situação, ou seja, esta abordagem considera a capacidade de liderança uma característica inata. Apesar de não existirem traços identificáveis da personalidade relativos à capacidade de liderança e à eficácia da mesma em todas as situações, uma vez que o sujeito pode variar a sua conduta de uma situação para a outra, ou, manter a mesma postura independente da situação, Stogdill (1974), citado por Murray (1991) e Weinberg e Gould (1995), conseguiu enumerar algumas tendências de comportamento: dominância, alta auto-estima, assertividade, elevado ambição, iniciativa, segurança, boa comunicação, competência, sentido de humor, etc.

Conduta/Comportamento

Centra-se no estudo das condutas e comportamentos dos líderes e na sua influência sobre os grupos, sendo a liderança uma habilidade adquirida e produto de uma aprendizagem. Dois tipos de líder podem ser equacionados (Noce, 2002 e Mendo e Ortiz, 2003): 1) autocrático - toma todas as iniciativas e decisões sobre a organização, os objectivos e as tarefas do grupo; 2) democrático - estimula a discussão e a participação do grupo nas decisões a tomar. Murray (1991) e Mendo e Ortiz (2003) fazem ainda referência a outro tipo de líder - Laissez Fair ("Deixa Fazer") - adopta um papel passivo e deposita toda a capacidade de decisão nos membros do grupo.
Segundo Samulski (1995), o tipo autocrático pode ser mais eficaz em situações estruturadas e com objectivos bem definidos. Apesar de oferecer mais segurança aos atletas em momentos de tensão, provoca um clima socioafectivo negativo e alguma agressividade interna que pode conduzir a uma fraca coesão do grupo. Por outro lado, o tipo democrático parece ser mais eficaz em situações moderadamente estruturadas e com objectivos pouco claros. O incentivo à participação estimula a satisfação e promove uma elevada coesão do grupo. No entanto, ao repartir as responsabilidades pode aumentar os níveis de ansiedade de alguns membros do grupo.

Interacional/Situacional

Esta abordagem parte do princípio de que existe uma interacção entre o sujeito e o contexto situacional, colocando uma atenção especial nos factores da situação que segundo Murray (1991) e Dosil (2004) podem ser a estrutura organizativa, as exigências especificas e a flexibilidade dos estilo de liderança. De acordo com os trabalhos de Fiedler (1967), citados por Weinberg e Gould (1995), Mendo e Ortiz (2003) e Dosil (2004), podemos definir dois tipos de orientação: 1) líder orientado para o sujeito (relação) - incide a sua actuação nos aspectos comunicativos do grupo, nas relações entre os seus membros e na procura do equilíbrio no seio do grupo (cada um deve sentir-se bem com o papel que desempenha); 2) Líder orientado para a tarefa - centra-se no cumprimento dos objectivos propostos e no máximo rendimento, deixando para segundo plano as relações interpessoais entre os membros do grupo.
Em termos prático, ambas as orientações tem vantagens e desvantagens (Noce, 2002). A orientação para a relação é mais eficaz quando estamos numa situação moderadamente favorável. Por outro lado, a orientação para a tarefa é mais apropriada quando a situação é muito favorável ou muito desfavorável (Weinberg e Gould, 1995).

Liderança eficaz

Um das preocupações fundamentais nesta área de estudo da Psicologia do Desporto é conseguir que os treinadores e se convertam em líderes eficazes e contribuam para o desenvolvimento do atleta/equipa (Dosil, 2004). No entanto, uma questão se levanta: o que é um líder eficaz?
De acordo com vários autores (Martens, 1987, Weinberg e Gould, 1995, Alves, 2000 e Dosil, 2004), qualquer tipo de liderança, para ser efectivo, deve apresentar um equilíbrio entre quatro componentes.

Qualidades do Líder

Como já foi mencionado anteriormente, os modelos baseados nas qualidades inatas do sujeito como líder tem vindo a ser abandonados, reconhecendo-se cada vez mais a importância do contexto e o efeito das aprendizagens adquiridas ao longo da vida. Apesar de não existirem um conjunto bem definido de traços da personalidade que garantam a condição de líder com êxito (Mendo e Ortiz, 2003), os estudos realizados indicam que é necessário que determinadas características estejam, no mínimo, presentes (Alves, 2000). Apesar de algumas já terem sido referidas anteriormente, Martens (1987), sintetiza essas qualidades da seguinte forma:
• Inteligência;
• Firmeza;
• Optimismo;
• Motivação intrínseca;
• Empatia;
• Habilidades de Comunicação;
• Autocontrolo;
• Confiança nos outros;
• Persistência;
• Flexibilidade;
• Empenhamento, dedicação e responsabilidade;
• Estimam e Ajudam os outros;
• Identificam e corrigem problemas;

Estilos de liderança

Segundo Alves (2000), os líderes excelentes, para atingir as sua metas e optimizar o rendimento do grupo, utilizam estilos de actuação próprios que se designam por estilos de liderança. Em função das características da situação e dos liderados, o mesmo sujeito pode utilizar distintos estilos de liderança (Mendo e Ortiz, 2003), sendo os mais adoptados o autocrático e o democrático. Apesar de já terem sido abordados anteriormente, podemos utilizar a definição elaborada por Martens (1987) e Weinberg e Gould (1995):

• Autocrático - estilo de comando, centrado na vitória e orientado para a tarefa;
• Democrático - estilo cooperativo, centrado no atleta e orientado para o sujeito.

Características dos liderados

As características dos liderados (atletas) também são fundamentais para determinar a eficácia do processo de liderança (Weinberg e Gould, 1995). Alguns estudos demonstram que os liderados diferem naquilo que esperam do líder. Se uns se mostram mais disponíveis para aceitar responsabilidades e autonomia, outros sentem-se melhor quando são totalmente orientados (Alves, 2000). Vejamos alguns exemplos:

• Idade - de acordo com Serpa (1990), os atletas mais jovens apresentam uma preferência maior pelos comportamentos democráticos e de suporte social e evidenciaram uma maior rejeição dos comportamentos autocráticos;
• Sexo - de acordo com Weinberg e Gould (1995), os atletas do sexo feminino têm preferência por estilos de liderança mais participativos (democrático);
• Nível de Capacidade - segundo Weinberg e Gould (1995), os atletas com um maior nível de habilidades preferem uma liderança orientada mais para o sujeito/relação;
• Personalidade - de acordo com Serpa (1990), os sujeitos com um funcionamento mais cognitivo preferem comportamentos de instrução. Por outro lado, os indivíduos que se mostram mais impulsivos preferem comportamentos de suporte social;
• Experiência - segundo Alves (2000), os atletas com um maior grau de maturidade evidenciam uma preferência por estilos mais democráticos que lhes concedam alguma autonomia e responsabilização;

Fatores situacionais

Um líder deve ser sensível à especificidade da situação e do envolvimento (Weinberg e Gould (1995), sendo a premissa básica desta afirmação: diferentes situações, requerem diferentes actuações de liderança (Martens , 1987). Desta forma, podemos considerar que o líder eficaz é aquele que utiliza um estilo adequado a cada contexto (Alves, 2000). Nos factores situacionais podemos incluir:

• Tipo de Modalidade - devido às exigências organizativas e estruturais os treinadores tem utilizado um estilo de natureza mais autocrática nos desportos colectivos e mais democrática nos individuais (Alves, 2000).
• Nível de Participação - de acordo com Martens (1987), os atletas de elite preferem estilos participativos e comportamentos de suporte social, orientados mais para o sujeito;
• Tamanho do grupo, tempo disponível para a prática, etc.

Nenhuma das quatros componentes atrás mencionadas pode ser entendida isoladamente, todas fornecem um contributo importante para a compreensão do que pode ser um processo de liderança eficaz (Weinberg e Gould, 1995).



Modelos e teorias da liderança

Como se sabe, ao longo dos tempos, muitos foram os psicólogos que tem centrado as suas preocupações no estudo do papel desempenhado pelos líderes e as suas implicações nas diversas esferas sociais (Dosil, 2004). Este facto conduziu a um desenvolvimento de várias teorias e modelos de liderança com a intenção de explicar o seu comportamento e a sua relação com o êxito do sujeito/grupo. A maioria dessas teorias e modelos surgiram no âmbito de várias áreas que não a desportiva (Weinberg e Gould, 1995). No entanto, o indiano Chelladurai (1978), citado por Weinberg e Gould (1995), Alves (2000) e Dosil (2004), após a identificação das características próprias das organizações desportivas e por considerar que as teorias vigentes não se aplicavam na sua totalidade ao fenómeno da liderança no desporto, propôs o seu Modelo Multidimensional e estabeleceu uma teoria que teve uma grande aceitação no âmbito da Psicologia do Desporto (Dosil, 2004).


Modelo multidimensional de liderança no desporto de Chelladurai



De acordo com Serpa (1990), Leitão, Serpa e Bártolo (1995), Weinberg e Gould (1995), Samulski (1995), Cruz e Gomes (1996), Alves (2000), Noce (2002) e Dosil (2004), neste modelo a performance e a satisfação do atleta, resultam dos comportamentos do treinador, aqueles que são exigidos pela situação, aqueles que são os preferidos pelos atletas e os comportamentos reais do treinador (adaptativos ou reactivos - conforme a adaptação comportamental do líder às condições do sistema organizacional e as reacções deste às necessidades, desejos e pressões dos atletas). Por sua vez, estes comportamentos podem ser influenciados ou condicionados pelas características do próprio treinador (formação desportiva, capacidade intelectual e instrumental, personalidade, experiência, etc.), pelas características dos atletas (nível de maturidade biológica e psicológica, motivações, idade, sexo, etc.) e pelas características da situação (estrutura formal da organização, objectivos a alcançar, normas e valores em vigor, factores da tarefa ou modalidade, etc.).
Em suma, no modelo multidimensional o desempenho e a satisfação dos atletas/grupo são a consequência de uma harmonia entre três estados de comportamento do treinador (líder), que são influenciados pelas suas próprias características, da situação e da dos membros (Chelladurai, 1990). Segundo Alves (2000), a ideia fundamental que sobressai é que quanto maior for a congruência entre o que é pedido ao treinador (tanto pelos atletas, como pela situação) e as suas características, maior será a probabilidade de se obter um clima favorável ao rendimento e à satisfação dos membros do grupo.

Avaliação da liderança no desporto

A importância da avaliação da capacidade de liderança de um treinador ou dirigente, reside no facto de se poder compreender melhor as características que devemos potenciar ou optimizar para que se possa alcançar melhor rendimento e satisfação entre os atletas (Dosil, 2004).
Com base no modelo multidimensional de Chelladurai, foi desenvolvido um instrumento de avaliação que goza de uma grande aceitação por parte dos investigadores, o que motivou a sua tradução, adaptação e utilização em diversos países (Dosil, 2004).
A Leadership Scale for Sport (LSS), foi desenvolvida por Chelladurai e Saleh (1978), e traduzida e adaptada para a população portuguesa por Serpa et al. (1989), passando a ser conhecida no nosso país por Escala de Liderança no Desporto (ELD). Este instrumento é composto por 3 versões: autopercepção - que nos revela a percepção do treinador do seu próprio comportamento; percepção - que se refere à percepção que os atletas têm do comportamento do seu treinador; preferências - que diz respeito às preferências dos atletas pelo comportamento do treinador.
Cada uma das versões desta escala é constituída por 40 itens, aos quais se responde numa escala tipo Likert que varia entre 1 (nunca) e 5 (sempre). Posteriormente as respostas são agrupadas em cinco dimensões que representam o comportamento tipo do treinador/líder, que podemos sintetizar da seguinte forma:

• Treino Instrução - voltado para a melhoria dos aspectos técnicos e tácticos da modalidade;
• Suporte Social - interesse em relação ao bem-estar dos atletas;
• Democrático - favorecimento da participação dos atletas nas tomadas de decisão;
• Autocrático - favorecimento da autoridade pessoal do treinador e independência na tomada de decisão;
• Reforço - relacionado com o reforço positivo dado ao atleta;

Recomendações práticas para o desenvolvimento da liderança eficaz

Em primeiro lugar, e seguindo a sugestão de Dosil (2004), deve-se diferenciar a existência de diferentes tipo de liderança em função dos protagonistas envolvidos no contexto desportivo (dirigentes, treinadores, atletas, médicos, etc.), uma vez que cada um deles desempenha um papel distinto no seio do colectivo. De acordo com o mesmo autor, as lideranças mais usuais e aquelas que maior interesse tem para os psicólogos do desporto são:

• Dirigentes - no essencial, devem ter em linha de conta as características próprias de cada modalidade e utilizar técnicas semelhantes às da psicologia organizacional;
• Treinadores - devem "aprender e treinar" as suas competências neste domínio e caminhar no sentido de serem líderes eficazes (ver modelo de Martens, 1987);
• Jogadores - quer de uma formal (através da sua escolha entre os membros), quer informal (emergir da interacção entre os membros), não se pode negar a existência de líderes/jogadores dentro dos grupos (Mendo e Ortiz, 2003). Compreender a sua influência nos comportamentos do colectivo e criar alianças de intervenção com ele pode fazer a diferença.

No âmbito da liderança, o psicólogo do desporto pode assessorar e ajudar os treinadores e dirigentes a realizar uma análise das situações de modo a que tenham outra visão dos problemas e tomem decisões eficazes. Porém dois factores são fundamentais, para ter êxito como treinador/líder é necessário ser bom comunicador e ter uma boa coesão de grupo (Dosil, 2004). Martens (1987) também reforça este ponto, treinar as competências de comunicação e melhorar as relações interpessoais são as pedras basilares para o sucesso da liderança no desporto.
Para além desses factores, Murray (1991), Cruz e Gomes (1996) e Noce (2002), sugerem algumas linhas de orientação prática que se baseiam em 3 estratégias principais:

• Nova Concepção de Sucesso - dado que um dos poucos factores que os atletas podem controlar é o seu esforço e empenho, podemos fazer equivaler o conceito de sucesso à ideia de "dar o máximo de esforço";
• Abordagem Positiva face ao Treino - a utilização do reforço positivo pelo esforço, pelo desempenho e pelo encorajamento após o erro motiva melhor o sujeito face às suas dificuldades, cria um clima muito mais agradável e diminui a ansiedade e o stress;
• Percepção mais Realista dos Comportamentos - só com uma percepção realista e correcta das suas condutas é que o treinador pode melhorar e modificar os seus padrões de comportamento, no sentido de ir ao encontro das preferências dos seus atletas;

Como se pode verificar, não é tarefa fácil o desenvolvimento da liderança no desporto, uma vez que as variáveis envolvidas neste processo são inúmeras. No entanto, num aspecto concordamos com Dosil (2004, pp. 229), a conjugação destas variáveis pode ser "a chave do êxito ou fracasso de uma equipa ou desportista".
Como se pode constatar, através do modelo de multidimensional de Chelladurai de 1978, o objectivo principal da liderança eficaz é possibilitar o rendimento e a satisfação de cada um dos membros da organização desportiva. No entanto, importa saber que para atingir esse objectivo devemos ter em linha de conta que esses factores resultam dos comportamentos do líder (treinador) que são influenciados, não só pelas suas próprias características, mas também pelas características da situação e dos liderados (atletas).
Para concluir esta tentativa de simplificar a explicação deste processo complexo que é a liderança no desporto, deixamos uma reflexão final que faz um sumário de tudo aquilo que aqui foi escrito sobre este tema - "a liderança eficaz passa por uma grande flexibilidade na adopção do estilo adequado a cada situação e pelo desenvolvimento de uma cultura própria do grupo que una todos os seus membros à volta dos mesmos objectivos" (Alves, 2000, pp.133).

Bibliografia
• Alves, J. (2000). Liderazgo y Clima Organizacional. Revista de Psicología del Deporte, vol. IX, nº 1-2, pp.122-133;
• Chelladurai, P. (1990). Leadership in Sport: a Review. International Journal of Sport Psychology, nº 21, pp.328-354;
• Cruz, J. E Gomes, R. (1996). Liderança de Equipas Desportivas e Comportamentos do Treinador. In José Cruz (Ed) Manual de Psicologia do Desporto, Braga, SHO, pp.389-409;
• Dosil, J. (2004). Psicología de la Actividad Física y del Deporte. Madrid, McGraw Hill;
• Jesuíno, J. (1996). Processos de Liderança. Lisboa, Livros Horizonte;
• Leitão, J., Serpa, S. e Bártolo, R. (1995). Liderança em Contextos Desportivos. Revista Psicologia, vol. X, nº 1-2, pp.15-29;
• Martens, R. (1987). Coaches Guide to Sport Psychology. Champaign, Illinois, Human Kinetics;
• Mendo, A. e Ortiz, J. (2003). El Liderazgo en los Grupos Deportivos. In Antonio Mendo (Ed) Psicología del Deporte, vol. I, Buenos Aires, Tulio Guterman Editora, pp. 6-28;
• Murray, M. (1991). Eficácia del Liderazgo. In Jean Williams (Ed) Psicología Aplicada al Deporte, Madrid, Biblioteca Nueva, pp.157-176;
• Noce, F. (2002). Liderança. In Dietmar Samulski (Ed) Psicologia do Esporte, São Paulo, Editora Manole, pp. 219-248;
• Samulski, D. (1995). Psicologia do Esporte: Teoria e Aplicação Prática. Belo Horizonte, Editora UFMG;
• Serpa, S. (1990). O Treinador como Líder: Panorama Actual da Investigação. Ludens, vol. 12, nº 2, pp.23-32;
• Weinberg, R. e Gould, D. (1995). Foundations of Sport and Exercise Psychology. Champaing, Illinois, Human kinetics;



























ANSIEDADE


Relações entre ansiedade e psicologia do esporte

Antonio Carlos de Quadros Junior*
Joseane Vicentim*
Daniel Crespilho**
acqj@rc.unesp.br
(Brasil)

*Integrante do Laboratório de Comunicação, Expressão e Música, e Laboratório de Atividade Física e Envelhecimento
**Integrante do Laboratório de Fisiologia Endócrino-Metabólica.

Departamento de Educação Física
Universidade Estadual Paulista - UNESP - Campus de Rio Claro

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 98 - Julio de 2006


Definição de ansiedade

Ao se falar sobre ansiedade, deve-se tomar cuidado com a confusão de conceitos em relação ao medo. Ansiedade e medo são emoções que muitas vezes se confundem, e a distinção entre ambas não é muito clara. Ambas as emoções envolvem padrões fisiológicos e psicológicos que incluem emoções desagradáveis e tensiogênicas, que podem ser percebidas quando se está para começar um jogo, num momento de decisão ou uma situação nova.
Para Frischnecht (1990), a ansiedade é um estado psíquico, acompanhado de excitação ou inibição que pode comportar uma sensação de constrição na garganta, que surge quando o indivíduo está incerto acerca do que pode fazer, para responder eficazmente ao que lhe é exigido e que é importante para ele (VIANA, 1989).

Tipos de ansiedade

Spielberger (1966) apurou o conceito de serem feitas duas medidas separadas de ansiedade: uma avaliação chamada ansiedade-traço, representando a disposição da personalidade de modo quase permanente (portanto, estável), e a outra, ansiedade-estado, mostrando as reações do indivíduo a situações ou tensões temporárias.

Causas e efeitos da ansiedade

É muito limitada a rápida detecção da ansiedade por conta das várias possibilidades de sua origem. No entanto, é sabido que qualquer situação onde haja alguma insegurança, a torcida, os familiares e o próprio professor ou técnico colaboram para este desarranjo emocional (MACHADO, 1997).
O sucesso, a crítica, e a oportunidade esperada são algumas das tensões vivenciadas pelos indivíduos, e, desta forma, podem ser fatores ansiogênicos, pois dependem da percepção e da interpretação que cada pessoa tem dos acontecimentos (DAMÁZIO, 1997). Quanto ao aspecto de percepção da situação, Frischnecht (1990), declara que a ansiedade é o resultado de uma maneira de encarar o mundo em geral ou uma situação em particular, e da forma como se pensa a respeito dos mesmos. Sendo assim, não é o contexto que torna o indivíduo ansioso (nervoso), mas sim a maneira como este contexto é visto e encarado por ele.
Os indivíduos com índices altos de ansiedade tendem a ter mau desempenho ao se defrontarem com alguma situação estressante, ao contrário daqueles que apresentam níveis baixos de ansiedade. Os indivíduos que enfrentam tensões diárias, crônicas, amor ou guerra, podem ter um aumento geral nos seus níveis de ansiedade, tornando-se mais vulneráveis a um futuro problema causado pela tensão (DAMÁZIO, 1997).



Figura 1 - Natureza da ansiedade
(Adapt. Ronald E. Smith, in: Sportcare & Fitness - 1/ 88)

Frischnecht (1990) afirma que a ansiedade é um dos impeditivos mais comuns para uma boa performance. Em casos extremos, seus efeitos criam enormes dificuldades que chegam a perturbar a concentração, pois níveis excessivos de ansiedade tendem a restringir o "campo" de atenção, e o atleta poderá começar a prestar atenção somente a um número de sinais limitados, diminuindo assim sua performance. Os atletas mais ansiosos chegam até a esconder lesões de seus técnicos com medo de não conseguirem manter seu lugar no time. (DAMÁZIO, 1997).
Segundo Frischnecht (1990), quando se está ansioso ocorre um aumento da freqüência cardíaca, do consumo de oxigênio, da pressão arterial e da freqüência respiratória. Além disso, podem ocorrer náuseas, delírios, secura de boca, sensação de fadiga ou fraqueza, bocejo freqüente, tremores, ações nervosas (como roer as unhas, mexer as pernas, enrolar os cabelos, etc.), sudorese profunda, micção freqüente, fezes soltas, dificuldade em adormecer, aumento de tensão muscular - podendo ocorrer dificuldade na respiração devido à tensão dos músculos do pescoço e garganta (pode ocorrer estrangulamento no sentido literal e/ou figurado).
De acordo ainda com Frischnecht (1990), a fraqueza, a falta de equilíbrio das pernas, o aumento da freqüência cardíaca e do consumo de oxigênio podem acelerar a fadiga, que é considerado o efeito mais pernicioso da ansiedade. No entanto, a tensão muscular é aumentada, fazendo com que, novamente, seja provocada uma fadiga precoce. Como a ansiedade exige esforço tanto do campo psicológico quanto do físico, temos, como resultado, uma limitação do campo perceptual e dos focos atencionais.
Conclui-se que um dos efeitos mais ameaçadores da ansiedade é a tendência que o indivíduo tem de extrair pensamentos para evitar ou fugir dos acontecimentos.

Relação com a atividade física (não-atletas)

Segundo a Organização Mundial da Saúde (2001), o problema de saúde mental tem se constituído num severo agravamento na sociedade atual e, grande parte destes transtornos estão relacionados a sintomas de estresse, como a ansiedade e a depressão. Tradicionalmente são usados, em seus tratamentos, a psicoterapia e a medicação; no entanto, uma técnica não tradicional de tratamento que tem sido bastante difundida, é a prática de exercícios físicos e esportes. Tanto um como o outro promovem uma redução significativa da ansiedade de estado e os fatores fisiológicos a ela relacionados.
Existe evidência que a atividade física é capaz de beneficiar o praticante quanto aos estados de ansiedade, tão bem quanto alivia condições físicas que tenham sintomas de humor associados (BYRNE; BYRNE, 1993).
Dunn, Trivedi e O'neal (2001) concluíram, em revisão de estudos que relacionaram atividade física com depressão e ansiedade, que a há evidências de que a atividade física é capaz de diminuir a ansiedade; e que, ainda que o exercício aeróbico tenha mais potencial, o exercício com pesos também é capaz de reduzir o estado de ansiedade.
Uma sessão de exercícios aeróbios é suficiente para reduzir a ansiedade em indivíduos que, por algum motivo, se sentem ansiosos. Uma sessão de 50 minutos de ciclismo, a 70% do máximo, é capaz de reduzir o estado de ansiedade por 60 min após o exercício, sendo inclusive que o lactato sangüíneo não é indutor de ansiedade (GARVIN; KOLTYN; MORGAN, 1997).
Como a ansiedade é algo individual, desejar que o exercício e o esporte alterem este quadro rapidamente é considerado irreal. É necessário um tempo de prática que pode variar entre 4 e 20 semanas.
Dentre os benefícios individuais do exercício, incluem: redução da ansiedade-estado; redução de níveis baixos e moderados de depressão (CORAZZA, 2005; DUNN, TRIVEDI E O'NEAL, 2001); redução de níveis de estresse associados (BYRNE; BYRNE, 1993; GARVIN; KOLTYN; MORGAN, 1997) auxiliar no tratamento da depressão severa (DUNN, TRIVEDI E O'NEAL, 2001); enfim, benefícios diversos a ambos os sexos e a todas as idades.

Relação com o esporte (atletas)

De acordo Frischnecht (1990) todas as atividades musculares intensas estabelecem relações com vivências emocionais e, com isso, pode-se dizer que a tensão das reações emocionais atinge sua máxima intensidade em situações de competição. Dessa forma, a preparação psicológica dos atletas ganha uma importância cada vez maior no âmbito esportivo.
Segundo Machado (1997), as emoções podem tanto inspirar quanto inibir a prestação desportiva. Quando as emoções são positivas, o indivíduo pode, facilmente, atingir o sucesso. No entanto, quando toda a excitação se transforma em ansiedade, o atleta, provavelmente, começa a cometer erros.
Para Frischnecht (1990), somente no mundo do desporto podemos encontrar uma performance individual que é examinada por inúmeras pessoas. O resultado dos atletas são sempre julgados e avaliados por milhares de pessoas nos locais de competição, por mais milhares que assistem na televisão ou ouvem pelo rádio. Com tantos recursos disponíveis atualmente, as performances podem ser repetidas, descritas, analisadas e criticadas pelos órgãos de imprensa, estabelecendo pressão ainda maior sobre estes atletas.
É importante ressaltar, contudo, que quanto mais nos preocuparmos, mais a tensão nervosa cresce. Infelizmente, a excessiva preocupação a respeito da preparação para os treinos, dos comportamentos durante o confronto com os adversários, não auxilia na obtenção de melhor preparação, mas apenas provoca ansiedade em elevado grau. Sendo assim, até mesmo o fato de nos preocuparmos com as preocupações ou com os sintomas que a ansiedade está nos causando, pode se tornar uma fonte adicional desta mesma ansiedade.
Segundo Cratty (1984), Frischnecht (1990) e Machado (1997), não é incomum os atletas se sentirem nervosos antes de competições desportivas, já que sua auto-imagem ou auto-estima dependem do seu desempenho nestas competições e, dessa forma, estas situações podem se tornar muito assustadoras - ao invés de lutarem por medalha, dinheiro, honras de campeão, luta-se contra o próprio valor; ao invés de aguardar entusiasticamente a oportunidade de atuar, o atleta passa a recear, nervosamente, a aproximação das competições pelo simples medo de falhar.
Para os autores, embora sejam bem treinados técnica/tática e fisicamente, os atletas respondem de modo diferente aos estímulos externos durante uma competição, pois a pressão transfere-se para a área emocional. Dessa forma, atletas bem preparados podem apresentar transtornos de rendimento durante a competição, enquanto outros podem crescer de rendimento quando esta se apresenta.
De acordo com Cratty (1973), a relação entre treinador e atleta é determinante no envolvimento desportivo, pois ambos vivem situações de estresse em situações óbvias. Contudo, o modo pelo qual eles enfrentam este nível de estresse reflete o modo pelo qual cada um vai conseguir lidar com as emoções e características individuais do outro (treinador/atleta). Segundo este mesmo autor, os atletas passam a maior parte do tempo pensando nos seus treinadores e relembrando as frases ditas por eles, etc. Dentre muitas as qualidades que os atletas apreciam em seus treinadores podemos destacar a capacidade que eles têm de se organizar, motivar e manter uma postura calma.
Geralmente, é difícil encontrar a combinação terinador-atleta perfeita, no entanto, o profissional competente é visto pelos seus atletas como aquele capaz de entendê-los e tratá-los como seres humanos, além de desportistas. Esta relação, associada a uma formação técnica adequada, fará que o treinador seja uma pessoa bem sucedida profissionalmente.
Focando especificamente em crianças atletas, Viana (1989) comenta que os pais podem ter uma influência importante na qualidade das experiências competitivas de seus filhos, no desenvolvimento do seu auto-conceito e do controle emocional. Por outro lado, podem pressionar os mesmos demasiadamente ao definirem seu prestígio e auto-imagem de adultos, em função dos êxitos e fracassos dos seus jovens atletas. Nesta perspectiva, o treinador deve ter uma função fundamental na formação, informação e reorientação global das atitudes dos pais dos atletas com quem trabalha. Deve atuar de forma a esclarecer a razão e o objetivo do programa desportivo de seus filhos, além de manter expectativas realistas e ajudar os seus filhos a desenvolverem adequadamente suas próprias expectativas em função dos seus limites e potencialidades.
Esses jovens atletas demonstram sinais de grande ansiedade e se descontrolam com facilidade. Tais descontroles e sinais de ansiedade são evidências de que algumas etapas não se desenvolveram em suas respectivas épocas, ou melhor dizendo: nos momentos oportunos, adequadamente. Muitos são os casos de jovens atletas que mesmo em fase inicial de aprendizagem, ainda que apresentam um crescimento acelerado, são incluídos entre os que estão a disputar um campeonato de alto nível, sem que, efetivamente, atingiram uma fase maturacional ideal para tanto; e muitas vezes nem mesmo atingiram um nível adequado de aprendizado da modalidade para comporem quadros competitivos (DAMÁZIO, 1997). Tais desníveis, evidentemente, causam inquietações em todos os componentes da equipe, a começar pelo principal interessado: o próprio atleta; seguem-se a ele seus companheiros de equipe, que cobram pelo seu desenvolvimento físico; e seu técnico, que apostou muito em seu desempenho (esquecendo-se de que o desempenho atlético é um conjunto de fatores que perpassa do desenvolvimento físico ao cognitivo e emocional).

Controle da ansiedade

Frischnecht (1990) traz que a parte principal do controle da ansiedade consiste na modificação da maneira de pensar. No entanto, algumas vezes, um atleta pode apresentar um quadro de ansiedade pelo simples fato de não estar bem treinado para a competição e, neste caso, seria insensato preocupar-se com isto. Por meio de uma melhor preparação e de um treino mais eficiente, a ansiedade seria, provavelmente, remediada.
É de grande importância os fatores sociais, o contexto no qual o atleta e sua equipe estão envolvidos, a vontade de vencer, a motivação, a maturidade pessoal e esportiva, a união e coesão do grupo, os desafios já enfrentados, a história passada da equipe, as perspectivas futuras e, em especial, saber o que cada um, cada equipe está apostando em determinada partida, pois esta expectativa irá comandar o que poderá acontecer posteriormente.
Para o controle da ansiedade no esporte, a literatura tem apontado diversas estratégias, como por exemplo, relaxamento, visualização no caso do excesso e exercícios de ativação de metas, no caso de baixa ansiedade. Porém, não basta um treinador saber as estratégias de preparo físico e técnico de seus atletas. Ele deve possuir também capacidades de ensinar-lhes a lidar com seus estímulos de estresse. Existem competências psicológicas que o atleta deve aprender a dominar, para responder efetivamente às exigências da competição (VIANA, 1989).
Outra forma de controle da ansiedade se dá através de jogos, pois, se o "Ego" é a expressão do princípio da realidade que se desenvolve a partir do "real", o jogo seria um meio de descarregar impulsos agressivos, pouco aceitáveis pela sociedade. A visão psicanalítica freudiana enfoca o jogo como uma forma de mecanismo de defesa do Ego contra a ansiedade frente às situações da vida cotidiana. Tal mecanismo de defesa pode vir através de fantasias, cujo aspecto simbólico carrega a tentativa de lidar com a angústia associada aos aspectos racionais (DAMÁZIO, 1997).

Considerações finais

De acordo com o exposto, os atletas de competição não são diferentes dos não-atletas em termos de ansiedade-traço e ansiedade-estado; atletas de elite não divergem muito dos desportistas menos habilidosos no que diz respeito a aspectos relacionados com a ansiedade de um modo geral, ou com a ansiedade específica em competições; o grau de ansiedade específica que os atletas possuem, em confronto com situações reais de competição, diminui gradualmente com a idade e com a experiência adquirida.
Assim, podemos concluir que a ansiedade-estado nem sempre tem efeito negativo sobre a execução do movimento; que o papel desempenhado pela auto confiança é de extrema importância; e que cada atleta possui uma banda específica, a zona de ansiedade, na qual as melhores atuações podem ser observadas.
Sendo assim, concluímos que a ansiedade não deve ser totalmente eliminada, mas simplesmente ser objetivo de controle, de maneira a não ser aspecto negativo no seu desempenho. A incerteza, causa da ansiedade, é impossível de ser totalmente anulada dada a natureza da situação. Desta maneira, os atletas precisam desenvolver competências psicológicas adequadas. Além do mais, o fato da situação causar estresse pode ser também positivo, uma vez que a mobilização de energias ou a ativação física e mental que prepara o atleta para entrar em ação depende deste tipo de mecanismo.

Referências
• BYRNE A., BYRNE, D. The effect of exercise on depression, anxiety and other mood states: a review. Journal of Psychosomatic Research, Londres, v. 6, p. 565-574, 1993.
• CORAZZA, D. I. Influência da prática regular de atividade física sobre sintomas depressivos em idosos institucionalizados. 103 fls. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2005.
• CRATTY, B. J. Psycology in Contemporary Sport, Englewwod Cliffs/ NJ: Prentice-Hall, 1973.
• CRATTY, B. J. Psicologia no esporte. 2ª ed. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil, 1984.
• DAMÁZIO, W. A ansiedade no voleibol. 1997. Trabalho de Conclusão de Curso - Instituto de Biociências - Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 1997.
• DUNN, A.; TRIVEDI, M.; O'NEAL, H. Physical activity dose-response effects on outcomes of depression and anxiety. Medicine & Science In Sports & Exercise, Madison, Wis., v. 33, suppl. 6, p. S587-S597, 2001.
• FRISCHNECHT, P. A influência da ansiedade no desempenho do atleta e do treinador. Treino Desportivo. Lisboa: II série, n. 15, p.21-28, 1990.
• GARVIN, A.; KOLTYN, K.; MORGAN, W. Influence of acute physical activity and relaxation on state anxiety and blood lactate in untrained college males. International Journal of Sports Medicine, Stuttgart, v. 18, n. 6, p. 470-476, 1997.
• MACHADO, A. A. Psicologia do esporte: temas emergentes. Jundiaí: Ápice, 1997.
• ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Relatório sobre a saúde no mundo - Saúde mental: nova concepção, nova esperança. Genebra: Organização Mundial da Saúde, 2001. 173 p.
• SPIELBERGER, C. D. Theory and research on anxiety. In: Anxiety and behavior. New York: Academic Press, 1966.
• VIANA, M. Competição, ansiedade e auto-confiança: implicações na preparação do jovem desportista para a competição. Treino Desportivo. Lisboa: II série, n. 13, p. 52-61, 1989.




BULLYING

O que é Bullying?

O termo BULLYING compreende todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s), causando dor e angústia, e executadas dentro de uma relação desigual de poder. Portanto, os atos repetidos entre iguais (estudantes) e o desequilíbrio de poder são as características essenciais, que tornam possível a intimidação da vítima.
Por não existir uma palavra na língua portuguesa capaz de expressar todas as situações de BULLYING possíveis, o quadro, a seguir, relaciona algumas ações que podem estar presentes:


Colocar apelidos
Ofender
Zoar
Gozar
Encarnar
Sacanear
Humilhar
Fazer sofrer
Discriminar
Excluir
Isolar
Ignorar
Intimidar
Perseguir
Assediar
Aterrorizar
Amedrontar
Tiranizar
Dominar

Agredir
Bater
Chutar
Empurrar
Ferir
Roubar
Quebrar pertences


E onde o Bullying ocorre?

O BULLYING é um problema mundial, sendo encontrado em toda e qualquer escola, não estando restrito a nenhum tipo específico de instituição: primária ou secundária, pública ou privada, rural ou urbana. Pode-se afirmar que as escolas que não admitem a ocorrência de BULLYING entre seus alunos, ou desconhecem o problema, ou se negam a enfrentá-lo.

De que maneira os alunos se envolvem com o Bullying?

Seja qual for a atuação de cada aluno, algumas características podem ser destacadas, como relacionadas aos papeis que venham a representar:

- alvos de Bullying - são os alunos que só sofrem BULLYING;
- alvos/autores de Bullying - são os alunos que ora sofrem, ora praticam BULLYING;
- autores de Bullying - são os alunos que só praticam BULLYING;
- testemunhas de Bullying - são os alunos que não sofrem nem praticam Bullying, mas convivem em um ambiente onde isso ocorre.

Os autores são, comumente, indivíduos que têm pouca empatia. Freqüentemente, pertencem a famílias desestruturadas, nas quais há pouco relacionamento afetivo entre seus membros. Seus pais exercem uma supervisão pobre sobre eles, toleram e oferecem como modelo para solucionar conflitos o comportamento agressivo ou explosivo. Admite-se que os que praticam o BULLYING têm grande probabilidade de se tornarem adultos com comportamentos anti-sociais e/ou violentos, podendo vir a adotar, inclusive, atitudes delinqüentes ou criminosas.
Os alvos são pessoas ou grupos que são prejudicados ou que sofrem as conseqüências dos comportamentos de outros e que não dispõem de recursos, status ou habilidade para reagir ou fazer cessar os atos danosos contra si. São, geralmente, pouco sociáveis. Um forte sentimento de insegurança os impede de solicitar ajuda. São pessoas sem esperança quanto às possibilidades de se adequarem ao grupo. A baixa auto-estima é agravada por intervenções críticas ou pela indiferença dos adultos sobre seu sofrimento. Alguns crêem ser merecedores do que lhes é imposto. Têm poucos amigos, são passivos, quietos e não reagem efetivamente aos atos de agressividade sofridos. Muitos passam a ter baixo desempenho escolar, resistem ou recusam-se a ir para a escola, chegando a simular doenças. Trocam de colégio com freqüência, ou abandonam os estudos. Há jovens que estrema depressão acabam tentando ou cometendo o suicídio.
As testemunhas, representadas pela grande maioria dos alunos, convivem com a violência e se calam em razão do temor de se tornarem as "próximas vítimas". Apesar de não sofrerem as agressões diretamente, muitas delas podem se sentir incomodadas com o que vêem e inseguras sobre o que fazer. Algumas reagem negativamente diante da violação de seu direito a aprender em um ambiente seguro, solidário e sem temores.
Tudo isso pode influenciar negativamente sobre sua capacidade de progredir acadêmica e socialmente.

E o Bullying envolve muita gente?

A pesquisa mais extensa sobre BULLYING, realizada na Grã Bretanha, registra que 37% dos alunos do primeiro grau e 10% do segundo grau admitem ter sofrido BULLYING, pelo menos, uma vez por semana.
O levantamento realizado pela ABRAPIA, em 2002, envolvendo 5875 estudantes de 5a a 8a séries, de onze escolas localizadas no município do Rio de Janeiro, revelou que 40,5% desses alunos admitiram ter estado diretamente envolvidos em atos de Bullying, naquele ano, sendo 16,9% alvos, 10,9% alvos/autores e 12,7% autores de Bullying.
Os meninos, com uma freqüência muito maior, estão mais envolvidos com o Bullying, tanto como autores quanto como alvos. Já entre as meninas, embora com menor freqüência, o BULLYING também ocorre e se caracteriza, principalmente, como prática de exclusão ou difamação.

Quais são as conseqüências do Bullying sobre o ambiente escolar?

Quando não há intervenções efetivas contra o BULLYING, o ambiente escolar torna-se totalmente contaminado. Todas as crianças, sem exceção, são afetadas negativamente, passando a experimentar sentimentos de ansiedade e medo. Alguns alunos, que testemunham as situações de BULLYING, quando percebem que o comportamento agressivo não trás nenhuma conseqüência a quem o pratica, poderão achar por bem adotá-lo.
Alguns dos casos citados na imprensa, como o ocorrido na cidade de Taiúva, interior de São Paulo, no início de 2003, nos quais um ou mais alunos entraram armados na escola, atirando contra quem estivesse a sua frente, retratavam reações de crianças vítimas de BULLYING. Merecem destaque algumas reflexões sobre isso:
- depois de muito sofrerem, esses alunos utilizaram a arma como instrumento de "superação” do poder que os subjugava.
- seus alvos, em praticamente todos os casos, não eram os alunos que os agrediam ou intimidavam. Quando resolveram reagir, o fizeram contra todos da escola, pois todos teriam se omitido e ignorado seus sentimentos e sofrimento.
As medidas adotadas pela escola para o controle do BULLYING, se bem aplicadas e envolvendo toda a comunidade escolar, contribuirão positivamente para a formação de uma cultura de não violência na sociedade.



Quais são as conseqüências possíveis para os alvos?

As crianças que sofrem BULLYING, dependendo de suas características individuais e de suas relações com os meios em que vivem, em especial as famílias, poderão não superar, parcial ou totalmente, os traumas sofridos na escola. Poderão crescer com sentimentos negativos, especialmente com baixa auto-estima, tornando-se adultos com sérios problemas de relacionamento. Poderão assumir, também, um comportamento agressivo. Mais tarde poderão vir a sofrer ou a praticar o BULLYING no trabalho (Workplace BULLYING). Em casos extremos, alguns deles poderão tentar ou a cometer suicídio.

E para os autores?
Aqueles que praticam Bullying contra seus colega poderão levar para a vida adulta o mesmo comportamento anti-social, adotando atitudes agressivas no seio familiar (violência doméstica) ou no ambiente de trabalho.
Estudos realizados em diversos países já sinalizam para a possibilidade de que autores de Bullying na época da escola venham a se envolver, mais tarde, em atos de delinqüência ou criminosos.

E quanto às testemunhas?
As testemunhas também se vêem afetadas por esse ambiente de tensão, tornando-se inseguras e temerosas de que possam vir a se tornar as próximas vítimas.


Fonte:
http://www.bullying.com.br/BConceituacao21.htm#objetivo




LEI Nº 14.957, DE 16 DE JULHO DE 2009.
(Projeto de Lei nº 69/09, do Vereador Gabriel Chalita - PSDB)
Dispõe sobre a inclusão de medidas de conscientização, prevenção e combate ao “bullying” escolar no projeto pedagógico elaborado pelas escolas públicas de educação básica do Município de São Paulo, e dá outras providências.

GILBERTO KASSAB, Prefeito do Município de São Paulo, no uso das atribuições que lhe são conferidas por lei, faz saber que a Câmara Municipal, em sessão de 24 de junho de 2009, decretou e eu promulgo a seguinte lei:

Art. 1º As escolas públicas da educação básica do Município de São Paulo deverão incluir em seu projeto pedagógico medidas de conscientização, prevenção e combate ao “bullying” escolar.
Parágrafo único. A Educação Básica é composta pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Art. 2º Entende-se por “bullying” a prática de atos de violência física ou psicológica, de modo intencional e repetitivo, exercida por indivíduo ou grupos de indivíduos, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidar, agredir, causar dor, angústia ou humilhação à vítima.
Parágrafo único. São exemplos de “bullying” acarretar a exclusão social; subtrair coisa alheia para humilhar; perseguir; discriminar; amedrontar; destroçar pertences; instigar atos violentos, inclusive utilizando-se de meios tecnológicos.
Art. 3º Constituem objetivos a serem atingidos:
I - prevenir e combater a prática do “bullying” nas escolas;
II - capacitar docentes e equipe pedagógica para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema;
III - orientar os envolvidos em situação de “bullying”, visando à recuperação da auto-estima, o pleno desenvolvimento e a convivência harmônica no ambiente escolar;
IV - envolver a família no processo de construção da cultura de paz nas unidades escolares.
Art. 4º Decreto regulamentador estabelecerá as ações a serem desenvolvidas, como palestras, debates, distribuição de cartilhas de orientação aos pais, alunos e professores, entre outras iniciativas.
Art. 5º A Secretaria Municipal de Educação observará a necessidade de realizar diagnóstico das situações de “bullying” nas unidades escolares, bem como o seu constante acompanhamento, respeitando as medidas protetivas estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Art. 6º As despesas decorrentes da execução desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 7º Esta lei entra em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, aos 16 de julho de 2009, 456º da fundação de São Paulo.
GILBERTO KASSAB, PREFEITO.

Publicada na Secretaria do Governo Municipal, em 16 de julho de 2009.
CLOVIS DE BARROS CARVALHO, Secretário do Governo Municipal.