Esporte vive um cenário de avanço metodológico, mas de estagnação nos procedimentos
O avanço nas propostas metodológicas para o ensino do futebol nesse inicio de século foi significativo, considerando o número de trabalhos apresentados em revistas cientificas, periódicos e livros publicados. O problema é que ainda existe uma distância exorbitante entre o que se propõe e o que realmente se realiza na prática. As discussões tem se concentrado no como ensinar. Entretanto, existem outros elementos que compõem a prática educativa e que necessitam ser provocadas.
As discussões sobre o ensino do futebol, tanto nas aulas de educação e escolas de esporte, tem se concentrado na tentativa de se alcançar uma abordagem ideal ou suficiente. O problema em buscar por uma proposta, a qual em suas fronteiras seja suficiente (eficaz e eficiente), é que não existe uma única forma de aprender.
De inicio dizemos que nenhuma proposta metodológica ou método é suficiente. Por isso, temos defendido que ao invés de ficarmos limitados as fronteiras de um método ideal, devemos ser capazes de questionar os propósitos, as circunstâncias e a maneira que devemos utilizar os referenciais metodológicos. Contudo, a lógica didática deverá estar subordinada a lógica do jogo, assim como, aos objetivos pedagógicos propostos. Mas este tema será abordado em um próximo momento, para não correr o risco de ser insuficiente na exposição do que defendermos, e conseqüentemente, dar margem a interpretações indevidas.
O leitor não irá encontrar uma proposta metodológica para ensinar futebol. Nosso propósito é levantar algumas questões para ser objeto de reflexão, das quais em conformidade com a prática educativa de cada professor, possam ser referenciais no tratamento pedagógico dado ao conteúdo futebol nas aulas de educação física.
Desse modo, suspendemos momentaneamente a questão ‘como ensinar futebol’, para trazer a luz da reflexão: nossos alunos estão realmente aprendendo? O futebol é conteúdo?
Certamente, para aqueles que acreditam que futebol se ensina (e isso já é um avanço significativo), existem inúmeras justificativas um tanto convincentes. Mas será mesmo que nossos alunos estão aprendendo futebol nas aulas de educação física? Levantamos essa indagação sobre alguns argumentos nos quais há certo tempo tem suscitado algumas inquietações.
O primeiro aspecto de nossa argumentação esta relacionado ao tempo de aula. A aula de educação física, em escolas públicas ou particulares, tem uma carga horária que vária entre uma a três aulas semanais (de acordo com o estabelecimento de ensino) e com um tempo de aula entre 45 e 50 minutos, com turmas heterogêneas e volumosas. Seria cabível sustentar que conseguiríamos de forma significativa melhorar as habilidades especificas de nossos alunos para jogarem futebol? Temos dúvidas!
O segundo aspecto de nossa argumentação esta relacionado à sistematização do conteúdo futebol nas aulas de educação física. Existe uma confusão em relação às escolas de esportes e aulas de educação física.
Nas escolas de esportes o tempo de aula é bem maior, o aluno escolheu a modalidade que o agrada e o grupo de alunos se aproxima mais de uma homogeneidade (seja por gênero, idade ou nível de habilidade) e na maioria das vezes estão orientadas para um processo de formação esportiva. Nas aulas de educação física acontecesse justamente o oposto, e ainda, não podemos limitar as aulas de educação física a reprodução do esporte na escola para atender apenas aos objetivos de uma formação esportiva unilateral.
Então, como abordar o futebol nas aulas de educação física? Para essa questão ser respondida o professor tem que ter claro a função e o objetivo da disciplina de educação física a qual defende na escola, tendo o futebol como um dos seus conteúdos.
A educação física na escola que defendemos intervém mais no sentido de desenvolver conhecimentos do que transmitir verdades, advindos das relações entre as pessoas e seu mundo e do mundo com as pessoas. É a disciplina que na escola se responsabiliza pela sistematização de um conteúdo especifico, tematizando saberes relacionados às nossas práticas corporais, tendo como resultado a produção de um conhecimento original (irredutível) e complementar (produto da relação com o mundo) e o favorecimento da apropriação dos patrimônios culturais produzidos pela humanidade. (FREIRE; SCAGLIA, 2003).
O objetivo da disciplina de educação física que defendemos na escola é conhecer o que já foi produzido de conhecimento pelo homem relacionado às suas práticas corporais, contextualizar para compreender o contexto no qual o conhecimento foi produzido e facilitar um ambiente onde os alunos possam re-significar o conhecimento apropriando deles à medida que forem incorporando em suas vidas. Permitindo-os ampliar os conhecimentos relativos às nossas práticas corporais sistematizadas, possibilitando que apropriem criticamente e ao mesmo tempo sejam capazes de resolver problemas de corpo inteiro. (FREIRE; SCAGLIA, 2003).
De modo semelhante, Darido et al. (2006, p. 14) entende que a educação física escolar é uma disciplina que “introduz é integra o aluno na cultura corporal, formando o cidadão que vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o para usufruir dos jogos, dos esportes, das danças, das lutas e das ginásticas em beneficio do exercício crítico da cidadania e da melhoria da qualidade de vida”.
Portanto, com nos diz Darido e Souza Jr. (2007) “é preciso ir além do costumeiro jogar”. E ainda, não podemos reduzir as aulas de educação física a um único conteúdo – futebol. Mas também, não queremos dizer que o futebol não mereça receber um tratamento especial, considerando sua importância sócio-cultural.
O futebol nas aulas de educação física não poderá se limitar a reproduzir movimentos (seqüências pedagógicas) ou vivenciar uma infinidade de ‘joguinhos’ desprovidos de um contexto e de um ambiente facilitador capaz de provar nos alunos a apropriação do conhecimento à medida que são capazes de re-significar deixando seu próprio contributo.
Com relação ao desenvolvimento do conteúdo futebol nas aulas de educação física, existem basicamente três situações muito particulares:
a) rola a bola e deixa o jogo acontecer, até por que brasileiros são considerados “nascidos para jogar futebol”;
b) sistematização do conteúdo determinado pela categorização de fundamentos/habilidades e distribuídos de acordo com o desenvolvimento do aluno, desconsiderando as experiências/vivências que os alunos tiveram;
c) não existe uma progressão do conteúdo abordado, levando os alunos da 3ª série do ensino médio a terem as mesmas aulas que tiveram na 5ª série (chute, passe, drible...).
Entendemos que nas aulas de educação física não basta deixar jogar. Até por que se fossemos considerar apenas deixar jogar, os alunos aprendem muito mais fora das nossas aulas, frente o tempo disponível e as diversas possibilidades de experiências de corpo inteiro que têm ao brincarem nas ruas, subir em muros, escalar árvores. E também, temos de reconhecer que muito dos nossos alunos já chegam à escola sabendo jogar futebol.
A sistematização do conteúdo feito apenas pela categorização de fundamentos/habilidades e distribuída de acordo com a fase de desenvolvimento do aluno é adequada (ainda assim tenho minhas dúvidas) para as escolas de esportes. Mas se considerarmos apenas esses fatores em nossas aulas de educação física teremos problemas. Principalmente pelo fato de abarcar apenas as habilidades/capacidades, atendendo apenas uma das dimensões do conhecimento.
Na educação física, a sistematização do conteúdo futebol deverá abarcar o conhecimento de corpo inteiro (intelectual, sensorial, motor, social, afetivo, ético, estético, espiritual). Para isso, no tratamento pedagógico, o professor deverá fazer algumas perguntas na elaboração do seu plano de ensino/curso, sustentadas sobre a função e objetivos da disciplina: quais as necessidades dos meus alunos? Por que esse conteúdo é importante para esse grupo? Como aplicá-lo? Como esse conteúdo se relaciona com os demais conteúdos da disciplina?
É importante ficar claro que não se trata de uma teorização das práticas corporais, nesse caso o futebol. Mas aproximar o fazer (procedimental) do conhecer (conceitual). Ou seja, aproximar o que se deve conhecer do que de dever saber fazer.
O conteúdo na dimensão conceitual responde a questão: o que se deve saber? Por exemplo, no futebol, conhecer sua história, as regras, principais fundamentos/habilidades e capacidades, temas emergentes (preconceito, gênero, trabalho, violência...), as mudanças que o futebol sofreu no Brasil e no Mundo etc.
O conteúdo na dimensão procedimental responde a questão: o que se deve saber fazer? Ou seja, além de conhecer e contextualizar temas como ‘mulher jogando futebol’, criar condições em que os alunos possam vivenciá-lo, por exemplo, jogar futebol de casal, vivenciar as principais habilidades requeridas para os jogos com bola nos pés.
O futebol abordado como conteúdo das aulas de educação física é provido de uma bagagem de temas, principalmente nas escolas brasileiras, que não o permite ser tratado de forma unilateral. Mas de forma multidimensional, atendendo aos propósitos de uma educação para o sujeito aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. Nessa perspectiva, o futebol, sendo conteúdo, se torna ferramenta para nossos alunos aprenderem a aprender.
A partir da exposição de como entendemos o futebol nas aulas de educação física e dos problemas que o cercam, deixamos algumas questões que foram levantadas e não respondidas propositadamente, a fim de instigar o leitor a buscar pelas suas próprias proposições, por exemplo: como abordar o conteúdo futebol nas aulas de educação? Como ensinar futebol?
Em nossa próxima comunicação iremos explanar o referencial metodológico que defendemos para o ensino do futebol nas aulas de educação física e então apresentar alguns procedimentos, por meio da análise pedagógica de aulas desenvolvidas em diferentes turmas. Entretanto, nossa intenção não é convencer o leitor a reproduzir o que temos defendido para o ensino do futebol nas aulas de educação física. Mas trazer argumentos, sustentados na prática pedagógica que sejam suficientes para apoiar aos professores no tratamento pedagógico dado ao futebol enquanto conteúdo nas aulas de educação física.
Bibliografia
DARIDO, S. C. Os Conteúdos da Educação Física na Escola. In: DARIDO, S. C.; RANGEL, I. C. A. Educação Física na Escola: implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
DARIDO, S. C. et al. Educação Física e Temas Transversais: possibilidades de aplicação. São Paulo: Editora Mackenzie, 2006.
DARIDO, S. C.; SOUZA JR., O. M. Para Ensinar Educação Física. Campinas: Editora Papirus, 2007.
FREIRE, J. B.; SCAGLIA, A. J. Educação Como Prática Corporal. São Paulo: Editora Scipione, 2003.
* Especialista em Pedagogia do Esporte Escolar
Universidade Adventista de São Paulo – UNASP Campus Hortolândia/IASP
Faculdade Adventista de Educação Física – FAEF
Contato: riller.reverdito@unasp.edu.br
Texto retirado do site universidadedofutebol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário