Imagem corporal é a figuração do próprio corpo formada e estruturada na
mente do mesmo indivíduo, ou seja, a maneira pela qual o corpo se
apresenta para si próprio. É o conjunto de sensações sinestésicas
construídas pelos sentidos (audição, visão, tato, paladar), oriundos de
experiências vivenciadas pelo individuo, onde o referido cria um
referencial do seu corpo, para o seu corpo e para o outro, sobre o
objeto elaborado.
O termo Imagem Corporal vem sendo usado
freqüentemente de maneira permutável com a terminologia Esquema do
Corpo, em estudos neurológicos e psicológicos, onde ocorrem também
resistências a determinadas definições e muitas confusões metodológicas
e conceituais (PAILLARD, 2001).
O esquema corporal é tido
como a "experiência imediata de uma unidade do corpo, (....) percebida,
porém é mais do que uma percepção, (...) chamamos de esquema de nosso
corpo", ou mesmo, segundo Head apud Schilder (1999), que o denomina
como modelo postural do corpo. O aludido é a imagem tridimensional que
todo sujeito tem do seu próprio corpo, não abordando sob a ótica de uma
mera sensação ou imaginação, mas da apercepção corporal, mesmo que a
informação tenha chegado através dos sentido.
A imagem que
pode ser visual, motora, auditiva, tátil, entre outras, não pode ser
analisada separadamente os itens ou adotar para casa estrutura um
padrão único para a avaliação de alteração em todas as estruturas.
Toda
mudança reconhecível entra na consciência comparando-se com situações
já vivenciadas, realizando assim uma avaliação da nova situação que
gera uma mudança na Imagem Corporal.
Há uma distinção
desobstruída proposta primeiramente por Head e Holmes (1912) apud
Paillard (2001), entre um esquema do corpo considerado como "um padrão
combinado de encontro em que todas as mudanças subseqüentes da postura
estão sendo medidas (...) antes que a mudança postural incorpore o
consciente."; e a imagem do corpo como "uma representação interna na
experiência consciente da informação visual, tátil e motor, da origem
corporal".
Segundo Cash & Pruzinsky (s/d) a imagem
corporal pode ser definida como a visão do nosso corpo que produzimos
em nossa mente (SCHILDER, 1935). A imagem corporal é definida como a
representação mental do próprio corpo (KRUEGER,1990,p.125).
Como se processa o desenvolvimento da Imagem Corporal?
A
Imagem Corporal se desenvolve desde o nascimento até a morte, dentro de
uma estrutura complexa e subjetiva, sofrendo modificações que implicam
na construção contínua, e reconstrução incessante, resultante do
processamento de estímulos.
Durante os anos pré-escolares a
criança desenvolve de forma acentuada o seu conceito a respeito da
imagem corporal. Com um pensamento e uma linguagem mais abrangente,
começa a reconhecer que a aparência das pessoas pode ser mais ou menos
desejável e as diferenças de cor ou raça. Ela conhece o significado das
palavras "bonito" e "feio" e reflete a opinião que os outros têm a
respeito de sua aparência. Aos cinco anos, por exemplo, a criança já
compara sua altura com a de seus pares e pode dar-se conta de ser alta
ou baixa, especialmente quando as pessoas se referem a ela, chamando-a
de "alta ou baixa para a idade". Apesar de seus progressos no
desenvolvimento da imagem corporal, o pré-escolar ainda tem uma noção
pouco definida a respeito dos limites do seu corpo, além de possuir
escassos conhecimentos de sua anatomia interna. Em virtude disto,
qualquer experiência invasiva o atemoriza, especialmente quando há
solução de continuidade da pele, tais como pequenos cortes ou
escoriações. Em seu pensamento, em conseqüência de uma pele rompida
pode escapar todo o seu sangue e interiores. Por isto os curativos são
tão importantes para segurar tudo dentro, e qualquer arranhão precisa
de mercúrio ou esparadrapo, para que a interpretação da imagem corporal
da criança seja atendida evitando distúrbios que possam surgir
posteriormente (MONTARDO, 2002).
A criança percebe seu
próprio corpo por meio de todos os sentidos, estando o seu corpo
ocupando um espaço no ambiente em função do tempo, captando assim
imagens, recebendo sons, sentindo cheiros e sabores, dor e calor,
movimentando-se. O corpo é o seu centro, o seu referencial, para si
mesma, para o espaço que ocupa e na relação com o outro.
A
noção do corpo está no centro do sentimento de mais ou menos
disponibilidade e adaptação que temos de nosso corpo e está no centro
da relação entre o vivido e o universo. É nosso espelho
afetivo-somático ante uma imagem de nós mesmos, do outro e dos objetos
(RAMOS, 2002).
O esquema corporal, da maneira como se
constrói e se elabora no decorrer da evolução da criança, não tem nada
a ver com uma tomada de consciência sucessiva de elementos distintos,
os quais, como num quebra-cabeça, iriam pouco a pouco se encaixar uns
aos outros para compor um corpo completo a partir de um corpo
desmembrado. O esquema corporal revela-se gradativamente à criança da
mesma forma que uma fotografia revelada na câmara escura mostra-se
pouco a pouco para o observador, tomando contorno, forma e coloração
cada vez mais nítidos. A elaboração e o estabelecimento deste esquema
parecem ocorrer relativamente cedo, uma vez que a evolução está
praticamente terminada por volta dos quatro ou cinco anos. Isto é, ao
lado da construção de um corpo 'objetivo', estruturado e representado
como um objeto físico, cujos limites podem ser traçados a qualquer
momento, existe uma experiência precoce, global e inconsciente do
esquema corporal, que vai pesar muito no desenvolvimento ulterior da
imagem e da representação de si mesmo, idem.
A imagem
corporal é continua e representativa do esquema postural e acompanha o
indivíduo desde o seu nascimento até o ultimo suspiro, sofrendo
adaptações e transformações globais de acordo com o momento vivido.
Quanto
maior forem os estímulos e as possibilidades de novas experiências do
recém nascido durante toda sua trajetória de vida, mais completa será a
sua formação do esquema corporal, principalmente sob o ponto de vista
psicomotor. As experiências corporais que determinam a imagem corporal
corroboram para a modelação de um esquema que refletirá na adolescência
e na vida adulta. Sua forma poderá ser lapidada, porém terá seus
elementos da construção inicial preservados, apesar das transformações
ocorridas ao longo da vida.
O esquema corporal é uma
aquisição lenta e paulatina. Desenvolve-se desde antes do nascimento,
se incrementa em forma notável desde este até o terceiro ano de vida e,
logo, continua em permanente evolução adaptativa pelo resto da
existência do individuo. Se estrutura sobre a base dos componentes
neurológicos em desenvolvimento e maturação onde se liga
fundamentalmente, as percepções exteroceptivas, proprioceptivas e
interoceptivas que permitem estabelecer, em um momento inicial a
consciência sobre localização espacial total, a capacidade e o
funcionamento de uma determinada parte do corpo, a consciência inicial
sobre a magnitude do esforço necessário para realizar uma determinada
ação, e a consciência sobre a posição do corpo e suas partes no espaço
durante esta ação (BARRETO, 2002).
Estas noções que se
desenvolvem prioritariamente durante os primeiros meses de vida
extra-uterina, mas que se inicia durante a vida intrauterina, como já
se abordou, vão ocorrendo cada vez mas fáceis e inconscientes pela
repetição continua e eficaz de cada ato em questão, até chegar a
automatização da resposta frente ao estímulo específico.
Liga-se
sem associações ao estabelecimento dos reflexos em que as percepções
sensoriais, sensitivas e proprioceptivas se conjugam para gerar a
excitação neuronal que, em nível central ou em nível da medula espinal,
desencadeia a motricidade requerida como resposta ao estímulo percebido
ou a uma ação gerada conscientemente, Idem.
Ainda que
pareça evidente, é necessário aclarar que o esquema corporal se
implanta e evolui, especial e especificamente, sobre a maturação do
conjunto neuromúsculo-esquelético e que se liga ao processo de ereção
que leva o neonato através das etapas de rastejar, engatinhar e
primeiros passos, até ao total domínio da marcha e orientação, as quais
são suportadas pelo eixo axial que está localizado na coluna vertebral,
Idem.
A imagem corporal do bebê amadurece aos poucos na
medida em que ele experimenta o toque, a exploração do espaço, a
manipulação e contato com objetos. A idéia de separação de seu corpo de
outros corpos e objetos se dá gradativamente (LE BOULCH,1987). Krueger
(1968) e Piaget (1945) concordam que a percepção da existência do corpo
próprio, individual, se dá por volta dos 18 meses, idem. Le Boulch
aponta que Lacan, após Wallon enfatizam a grande importância da "fase
do espelho", quando a criança vê sua imagem projetada no espelho, olha
por trás do mesmo... Até então, a imagem de seu corpo encontra-se
incompleta, fragmentada. A imagem do todo acontece quando ela se vê no
espelho. Ela passa então da "imagem do corpo fragmentado à compreensão
da unidade de seu corpo como um todo organizado" (MATARUNA, 2002;
AJURIAGUERRA, 1986, 1987; LE BOULCH, 1987, p.215). Krueger (1990)
ressalva a importância da imagem corporal não ser limitada a imagens
visuais, mas como fruto da absorção de experiências vividas.
A
imagem corporal nunca é estática. Ela muda de ação para ação
(FELDENKRAIS,1977; SCHILDER,1999). "De início, quando a imagem está
sendo estabelecida, sua taxa de mudança é alta; novas formas de ação
que, apenas um dia antes, estavam além da capacidade da criança, são
rapidamente conseguidas "(FELDENKRAIS,1977,p.28).
A experiência da "falta" no processo de desenvolvimento da Identidade Corporal
A
criança não espera nada do mundo exterior de plenitude e fusionalidade.
A perda da plenitude fusional não assegura a separação do Eu e do
não-EU, a qual exige uma dissociação perceptiva entre as sensações
provocadas pelo exterior e as sensações internas, que se revertem em
experiência (LAPIERRE, 1984, p.11).
Os objetos
transicionais e os desejos do homem ocorrem para minimizar, ou seja,
compensar a falta do se ou de um ser. O desejo de possuir o corpo do
outro se transforma em desejo possessivo pelos objetos (idem, p.18).
A
falta no corpo, oculta no inconsciente, vai emergir no consciente sob a
forma simbólica de uma falta do ter. Mas o ter não pode nunca preencher
esta falta e o desejo de posse pelos objetos torna-se incontrolável
cumulativo e desabando como uma avalanche.
La Pierre
contextualiza a experiência da "falta" no processo de desenvolvimento
da Identidade Corporal na necessidade do individuo transferir ou se
apoiar, e porque não dizer, consumir o outro. Este se revela desde o
nascimento do bebê, quando se corta o cordão umbilical e há a separação
do líquido amniótico, até a fase adulta quando ainda há a necessidade
de recuperar o trauma ocorrido na quebra da fusionalidade. Para o autor
a construção da identidade corporal ocorrerá espelhada no que o outro
apresenta, e sobre o desejo do individuo reproduzido pelo outro.
A
construção deste modelo corporal surgirá de uma maneira pela qual o
sujeito tenta consumir, enquanto objeto, o corpo de um outro individuo
para suprir o seu espaço fusional interior.
Na fantasmática
fusional da criança, as "cavidades" são aberturas para o mundo
misterioso do interior do outro, daí o desejo inconsciente de penetrar
nestas cavidades (...), onde a criança com seus dedos , a mão, o olhar,
e com todo o corpo explora estes orifícios na busca da interioridade
alheia no seu próprio corpo, fato que no futuro vai se investir nas
relações sexuais (LAPIERRE, 1984, p.32)
Para o surgimento
da identidade corporal, o corpo deve estar reunido com uma imagem
global que aparece por volta do oitavo mês de vida, durante o estágio
do espelho, que ainda é imperfeita mas que se aprimora com o reforço.
As experiências motoras corroboram para o conhecimento das dimensões
corporais permitindo atingir com maior facilidade esta totalidade
(Idem, p. 23).
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